O PÃO NO DESERTO

 

ThomasMerton (1915-1968), monge trapista norte-americano e afamado escritor, dispensa maiores apresentações. Na sua vida contemplativa, encontrou um tempo santo a fim de deixar-nos mais de 50 obras a constarem de poemas, cartas e livros, incluindo este que agora apresentamos.

Logo no Prefácio, Cristóvão de Souza Meneses Júnior, presidente da Associação Thomas Merton no Brasil, expõe o conteúdo da obra escrita em 1950: “O pão no deserto é um livro sobre os salmos. É uma das primeiras obras de Thomas Merton e surgiu no momento em que esse jovem trapista, já mundialmente conhecido pela autobiografia A montanha dos sete patamares, enraizava-se na erudição bíblica e na leitura dos Padres da Igreja [...]. Além do prólogo e um epílogo, o livro contém cinco capítulos: I. – Salmos e contemplação; II. – Poesia, simbolismo e tipologia; III. – Sacramenta Scripturarum; IV. – A perfeita lei da liberdade; e IV. – A sombra de tuas asas. Cada capítulo é dividido em seções, criando, assim, uma série de breves reflexões sobre cada tópico do capítulo” (pp. 11-12).

Importa notar que, na página 65, aparece uma explicação do título do livro: “A Liturgia da terra é, necessariamente, uma com a Liturgia do Céu. Estamos, ao mesmo tempo, no deserto e na Terra Prometida. Os salmos são nosso Pão do Céu na solidão do nosso Êxodo”. Em outras palavras: por meio da Liturgia, vivemos o paradoxo do “já, mas ainda não”. Isto é, uma tensão escatológica, pois temos a salvação oferecida por Cristo, mas ainda não a possuímos inteiramente, pois a sua plenitude só será experimentada na eternidade feliz. Eternidade que a Liturgia, a seu modo, nos antecipa. Sim, “a Liturgia do Céu é perfeitíssima harmonia que, como música das esferas, vê o canto transformado em silêncio. O saltério é o prelúdio dessa Liturgia. Um prelúdio já é, realmente, um começo. Nós que cantamos os salmos mantemo-nos nas antecâmaras do Céu. Esse é, de fato, o testemunho que escolhemos. Esta é a vocação cristã: iniciar na Terra a vida e a Liturgia do Céu” (p. 164).

Daí vem a questão: Por que Pão no deserto? – É o próprio Thomas Merton quem nos responde: “Escolhi esse símbolo propositadamente. Habitualmente, o milagre da multiplicação dos pães evoca o Sacramento da Eucaristia que ele anunciava. Mas a realidade que nos alimenta nos salmos é a mesma de que nos nutrimos na Eucaristia, embora sob forma bem diferente. Num e noutro, somos nutridos pelo Verbo de Deus. No Santíssimo Sacramento, ‘Sua carne é realmente comida’. Nas Sagradas Escrituras, o Verbo está encarnado em palavras, não em carne. Mas o homem vive de toda palavra que procede da boca de Deus” (p. 24).

Embora, o livro – como deixa claro, na mesma página, o próprio autor – não seja um tratado sistemático sobre os salmos, mas uma coleção de notas pessoais a respeito do saltério, cabe dizer que Merton discorda daqueles que apelavam (e apelam) para a mera leitura espiritual apenas, isto é, sem o estudo da Escritura. Para embasar seu raciocínio, cita o Papa Pio XII, na encíclica Divino Aflante Spiritu, a recomendar a intersecção entre o estudo científico (história, filologia e ciências auxiliares) da Bíblia com o seu aspecto espiritual (cf. pp. 59-60).

Importa, ainda, em um tempo de “magistérios paralelos” (a fazerem do “Depósito da Fé” um supermercado onde se pega o que convém e se deixa na prateleira o que não agrada), ouvir o monge trapista afirmar que só se é verdadeiro cristão contemplativo na Igreja e com a Igreja. Ela nos oferece segurança a fim de não nos afastarmos d’Ela, nem nos deixarmos escravizar por sistemas de espiritualidade obscuros. São suas palavras: “A Liturgia da Igreja é uma escola de contemplação ao mesmo tempo segura e universal” (p. 66).

Eis alguns pontos de uma bela obra que merece leitura e reflexão!

 

            Vanderlei de Lima é eremita de Charles de Foucauld

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