AS DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR E O RECENTE MILAGRE DE LOURDES

 

(Dr. Vitor Roberto Pugliesi Marques)

As doenças do neurônio motor (DNM) constituem um espectro de doenças neurológicas progressivas que afetam os neurônios responsáveis pelos movimentos do corpo. Tais neurônios, cientificamente, são chamados de neurônios motores superiores (também conhecidos como primeiros neurônios motores) e neurônios motores inferiores (também conhecidos como segundos neurônios motores). 


Entre as várias manifestações desse espectro de doenças, há de citar seus dois “extremos”. Em um extremo, temos a chamada esclerose lateral primária (ELP), que afeta exclusivamente os neurônios motores superiores; no outro, temos a chamada atrofia muscular progressiva (AMP), que compromete apenas os neurônios motores inferiores. Quando ambos os neurônios motores são acometidos (de modo simétrico ou assimétrico, a depender de cada indivíduo), a doença é chamada, genericamente, de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) ou doença de Charcot.


Expliquemos, em breves palavras, como o corpo humano, por meio dos neurônios que compõem a via motora, realiza seus movimentos. A via motora é o sistema responsável por transmitir os comandos do cérebro até os músculos, permitindo nossos movimentos voluntários. Ela é composta, como dito anteriormente, por dois tipos principais de neurônios: o primeiro neurônio motor, que nasce no cérebro (mais precisamente no córtex motor) e desce até a medula espinhal, e o segundo neurônio motor, que sai da medula e vai até os músculos. O primeiro coordena e modula o movimento, enquanto o segundo executa a ordem, fazendo o músculo se contrair. Tanto um quando outro neurônio motor podem ser acometidos pelas chamadas, com lógica, de doenças do neurônio motor, causando paralisias musculares e, consequentemente, perda dos movimentos de todo o corpo.


As doenças do neurônio motor (DNM) têm um curso progressivo e irreversível, caracterizado pela perda gradual da força muscular. Com o tempo, os pacientes desenvolvem fraqueza acentuada nos membros, dificuldade para falar, engolir (disfagia) e respirar (dispneia), na medida em que os músculos responsáveis por essas funções também são acometidos. A paralisia da musculatura respiratória é uma das complicações mais graves, levando à insuficiência respiratória – principal causa de morte nessas doenças. Por serem incuráveis, o manejo é focado em cuidados paliativos e suporte ventilatório, o que torna qualquer relato de recuperação completa algo profundamente impressionante.


Um dos casos mais notórios de DNM é o do físico britânico Stephen Hawking, diagnosticado com ELA aos 21 anos. Apesar das previsões iniciais de uma sobrevida curta, Hawking viveu até os 76 anos, desafiando as expectativas médicas e tornando-se um símbolo de resiliência e contribuição científica. Recentemente, um caso considerado milagroso foi reconhecido, em Lourdes, na França. Antonietta Raco, uma italiana de 67 anos diagnosticada com ELP, experimentou recuperação completa após uma peregrinação ao santuário mariano em 2009. Após mergulhar nas piscinas do santuário, ela relatou uma sensação de bem-estar e, posteriormente, recuperou a capacidade de caminhar. Exames médicos confirmaram a remissão dos sintomas, e, em 2025, o caso foi oficialmente reconhecido como o 72º milagre de Lourdes. Vejamos que o caso de Antonietta Raco é totalmente diferente do caso de Stephen Hawking. Enquanto Antonietta experimentou uma recuperação total da doença, fato que configura um milagre, Stephen Hawking conviveu toda a sua vida com a doença, a despeito de seu tempo de vida ter sido infinitamente maior do que a média dos indivíduos acometidos pelas doenças do neurônio motor.


Casos como o de Antonietta Raco mostram que ciência e fé, longe de serem opostas, devem caminhar lado a lado na busca pela verdade e pelo cuidado com a vida humana. Este milagre nos convida a reconhecer que há dimensões da existência que a ciência ainda não compreende plenamente. Enquanto os médicos buscam, com rigor e ética, respostas científicas, a fé oferece esperança e sentido diante do sofrimento. Juntas, ciência e fé podem se complementar, promovendo um olhar humano, integral e compassivo sobre a saúde e o mistério da vida.

 

Dr. Vitor Roberto Pugliesi Marques é médico neurologista, neurofisiologista e mestre em Ciências da Saúde.

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