AS DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR E O RECENTE MILAGRE DE LOURDES
As
doenças do neurônio motor (DNM) constituem um espectro de doenças neurológicas
progressivas que afetam os neurônios responsáveis pelos movimentos do corpo.
Tais neurônios, cientificamente, são chamados de neurônios motores superiores
(também conhecidos como primeiros neurônios motores) e neurônios motores
inferiores (também conhecidos como segundos neurônios motores).
Entre as várias
manifestações desse espectro de doenças, há de citar seus dois “extremos”. Em
um extremo, temos a chamada esclerose lateral primária (ELP), que afeta exclusivamente
os neurônios motores superiores; no outro, temos a chamada atrofia muscular
progressiva (AMP), que compromete apenas os neurônios motores
inferiores. Quando ambos os neurônios motores são acometidos (de modo simétrico
ou assimétrico, a depender de cada indivíduo), a doença é chamada, genericamente,
de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) ou doença de Charcot.
Expliquemos, em
breves palavras, como o corpo humano, por meio dos neurônios que compõem a via
motora, realiza seus movimentos. A via motora é o sistema responsável por
transmitir os comandos do cérebro até os músculos, permitindo nossos movimentos
voluntários. Ela é composta, como dito anteriormente, por dois tipos principais
de neurônios: o primeiro neurônio motor, que nasce no cérebro (mais
precisamente no córtex motor) e desce até a medula espinhal, e o segundo
neurônio motor, que sai da medula e vai até os músculos. O primeiro coordena e
modula o movimento, enquanto o segundo executa a ordem, fazendo o músculo se
contrair. Tanto um quando outro neurônio motor podem ser acometidos pelas
chamadas, com lógica, de doenças do neurônio motor, causando paralisias
musculares e, consequentemente, perda dos movimentos de todo o corpo.
As doenças do
neurônio motor (DNM) têm um curso progressivo e irreversível, caracterizado
pela perda gradual da força muscular. Com o tempo, os pacientes desenvolvem
fraqueza acentuada nos membros, dificuldade para falar, engolir (disfagia) e
respirar (dispneia), na medida em que os músculos responsáveis por essas
funções também são acometidos. A paralisia da musculatura respiratória é uma
das complicações mais graves, levando à insuficiência respiratória – principal
causa de morte nessas doenças. Por serem incuráveis, o manejo é focado em
cuidados paliativos e suporte ventilatório, o que torna qualquer relato de
recuperação completa algo profundamente impressionante.
Um dos casos mais
notórios de DNM é o do físico britânico Stephen Hawking, diagnosticado com ELA
aos 21 anos. Apesar das previsões iniciais de uma sobrevida curta, Hawking
viveu até os 76 anos, desafiando as expectativas médicas e tornando-se um
símbolo de resiliência e contribuição científica. Recentemente, um caso
considerado milagroso foi reconhecido, em Lourdes, na França. Antonietta Raco,
uma italiana de 67 anos diagnosticada com ELP, experimentou recuperação
completa após uma peregrinação ao santuário mariano em 2009. Após mergulhar nas
piscinas do santuário, ela relatou uma sensação de bem-estar e, posteriormente,
recuperou a capacidade de caminhar. Exames médicos confirmaram a remissão dos
sintomas, e, em 2025, o caso foi oficialmente reconhecido como o 72º milagre de
Lourdes. Vejamos que o caso de Antonietta Raco é totalmente diferente do caso
de Stephen Hawking. Enquanto Antonietta experimentou uma recuperação total da
doença, fato que configura um milagre, Stephen Hawking conviveu toda a sua vida
com a doença, a despeito de seu tempo de vida ter sido infinitamente maior do
que a média dos indivíduos acometidos pelas doenças do neurônio motor.
Casos como o de
Antonietta Raco mostram que ciência e fé, longe de serem opostas, devem
caminhar lado a lado na busca pela verdade e pelo cuidado com a vida humana.
Este milagre nos convida a reconhecer que há dimensões da existência que a
ciência ainda não compreende plenamente. Enquanto os médicos buscam, com rigor
e ética, respostas científicas, a fé oferece esperança e sentido diante do
sofrimento. Juntas, ciência e fé podem se complementar, promovendo um olhar
humano, integral e compassivo sobre a saúde e o mistério da vida.
Dr. Vitor Roberto Pugliesi Marques é médico neurologista, neurofisiologista e mestre em Ciências da Saúde.
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