O PAPA FALA AOS EREMITAS ITALIANOS
DISCURSO DO SANTO PADRE LEÃO XIV
AOS EREMITAS ITALIANOS QUE PARTICIPAM
DO JUBILEU DA VIDA CONSAGRADA[1]
Sala do Consistório
Sábado, 11 de outubro de 2025
Em nome do Pai, e
do Filho, e do Espírito Santo. A paz esteja convosco! Bom dia a todos e bem-vindos!
Caros irmãos e
irmãs, agradeço-vos por estarem aqui. Este encontro nos oferece a oportunidade
de refletir sobre a vocação à vida eremítica na Igreja e no mundo atual.
Desejo iniciar com
uma palavra, que o Senhor disse à mulher samaritana e que lemos no Evangelho de
João: “É chegada a hora, e é esta, em que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura tais adoradores” (Jo 4,23).
Sim, o Pai procura e chama, em cada tempo, homens e mulheres para adorá-Lo na
luz do Seu Espírito e na verdade revelada por Seu Filho unigênito. Chama
mulheres e homens a dedicarem-se inteiramente a Ele, a buscá-Lo e escutá-Lo, a
louvá-Lo e invocá-Lo, de dia e de noite, no segredo do coração. “Quando tu
orares – diz Jesus – entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai, que
está no segredo; e o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará” (Mt 6,6). Em
primeiro lugar, o Senhor chama a entrar neste lugar oculto do coração,
escavando-o pacientemente: convida a realizar uma imersão interior que requer
um caminho de esvaziamento e de despojamento de si. Uma vez dentro, pede que se
feche a porta aos maus pensamentos a fim de guardar um coração puro, humilde e
manso, com a vigilância e o combate espiritual. Só então é que se pode
abandonar, com confiança, ao diálogo íntimo com o Pai, que habita e vê no
segredo, e no segredo cumula-nos com Seus dons.
Vós, homens e
mulheres eremitas, sois chamados a viver de modo exemplar esta vocação à
adoração e à oração interior, própria de todo fiel, para serem, na Igreja,
testemunho da beleza da vida contemplativa. Ela não é fuga do mundo, mas
regeneração do coração, para que este seja capaz de escutar, e seja fonte do
agir criativo e fecundo que a caridade de Deus nos inspira. Há, hoje, mais do
que nunca, a necessidade deste chamado à interioridade e ao silêncio – para
viver o contato consigo mesmo, com o próximo, com a criação e com Deus –, em um
mundo cada vez mais alienado pela exterioridade midiática e tecnológica. Com
efeito, a alegria de viver o maravilhamento da fé e o gosto da comunhão
eclesial renascem dessa íntima amizade com o Senhor.
A vossa distância
do mundo não vos separa dos outros, mas vos une a eles em uma solidariedade
mais profunda. Escreve Evágrio Pôntico: “Monge é aquele que, separado de todos,
está unido a todos” (Tratado sobre a Oração, 124[2]),
porque a solidão orante gera a comunhão e a compaixão por todo o gênero humano
e por toda criatura, seja na dimensão do Espírito, como no contexto eclesial e
social em que sois colocados como fermento de vida divina.
O eremita
diocesano “é uma figura em relação aberta com o corpo eclesial e o corpo da
história”[3]. A vossa
presença simples e o vosso testemunho orante, por meio da comunhão com o bispo
e da relação fraterna com os párocos, tornam-se preciosos e fecundos, pois
aumentam o “respiro espiritual” da comunidade cristã. Isto é verdadeiro
sobretudo nas áreas internas do País, nos contextos rurais onde presbíteros e
religiosos se tornam cada vez mais raros e as paróquias se empobrecem de
oportunidades. Mesmo nos contextos urbanos, anônimos e complexos, marcados pela
solidão escravizante[4], as
presenças eremíticas são oásis de comunhão com Deus e com os irmãos.
Enquanto
permaneceis fiéis à herança recebida dos Padres da Igreja[5]
no guardar a Palavra, através da lectio divina[6], no serviço do louvor e na intercessão com a
oração dos salmos, sois também chamados a interpretar os novos desafios
espirituais com a criatividade do Espírito Santo. É, com efeito, o Paráclito
que vos abre ao diálogo com todos os buscadores de sentido e de verdade,
educando-vos a compartilhar e orientar a sua busca espiritual, muitas vezes
confusa. Todos vós podeis estimular o próximo a entrar em si mesmo, a
reencontrar o baricentro do coração, como nos ensinou o Papa Francisco na
Encíclica Dilexit nos. E ali, no fundo da alma, cada um poderá descobrir
o fogo do desejo de Deus que arde e jamais se apaga, como nos ensina Santo
Agostinho: “O teu desejo é a tua oração; e se é desejo contínuo, é também
oração contínua” (Epistola 130,18-20). Deste desejo que habita em cada
pessoa, vós sois guardiões e testemunhas, para que cada um possa descobri-lo e
alimentá-lo em si mesmo.
Caríssimos, este
nosso tempo conturbado vos pede, por fim, para “entrardes no mistério da
intercessão de Cristo em favor de toda a humanidade, aceitando ‘colocar-vos no
meio’ entre a criatura, frágil e ameaçada pelo mal, e o Pai misericordioso,
fonte de todo bem”[7]. Chamados
a estar na batalha, com as mãos levantadas e o coração vigilante, caminhai
sempre na presença de Deus, solidários com as provações da humanidade. Mantendo
o olhar fixo em Jesus e abrindo as velas do coração ao Seu Espírito de vida[8], navegai
com toda a Igreja, nossa mãe, sobre o mar tempestuoso da história, rumo ao
Reino de amor e de paz que o Pai prepara para todos. Obrigado.
[Tradução:
Vanderlei de Lima / Revisão: Ana Lydia Sawaya, OSB Cam.].
[1] https://www.vatican.va/content/leo-xiv/it/speeches/2025/october/documents/20251011-eremiti.html,
acesso em: 11/10/2025.
[2] Em português, Enunciados sobre
a oração e outros discursos, comentários e sentenças. São Paulo:
Cultor de Livros, 2023, p. 112 – Nota do tradutor.
[3]
Congregazione per gli Istituti di Vita Consacrata e le Società di Vita
Apostolica, La forma di vita eremitica nella Chiesa particolare. “Ponam in deserto viam (Is 43,19)”.
Orientamenti (30
dicembre 2021), 10. Em português, A Forma de vida eremítica na Igreja
particular. “Ponam in deserto viam (Is 43,19)”. Orientações. Brasília: Ed.
CNBB, 2022, pp. 15-16 – Nota do original com acréscimo do tradutor.
[4] Hoje, aparece muito a distinção
entre solidão e solitude. Este termo pode parecer um tanto estranho, mas
quer designar o viver sozinho por livre e espontânea vontade. Jamais por uma
imposição das próprias circunstâncias da vida, como, às vezes, ocorre na mera
solidão ou, nas palavras do Papa, na “solidão escravizante” (cf. Thomas Merton.
A Oração contemplativa. Campinas:
Ecclesiae, 2018, p. 29) – Nota do tradutor.
[5] “Padres da Igreja são escritores
(não necessariamente presbíteros ou bispos) que nos primeiros séculos
contribuíram para a exata elaboração e a precisa formulação das verdades da fé
em tempos de debates teológicos com escolas heréticas” (Dom Estêvão
Bettencourt, OSB. História da Igreja.
Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012, p. 16) – Nota do tradutor.
[6] Sobre o tema, ver em português:
Dom Garcia M. Colombás, MB. Diálogo com
Deus: introdução à Lectio Divina. São Paulo: Paulus, 1996 (5ª reimpressão:
2024); Vários Autores. Lectio Divina
ontem e hoje. Juiz de Fora: Subiaco, 2000, 4ª ed. ampliada, e Dom Inocenzzo
Gargano, OSB Cam. Ler e meditar a Bíblia:
uma breve introdução à Lectio Divina. Rio Bonito:
Benedictus, 2024 – Nota do tradutor.
[7] La forma di vita eremitica nella Chiesa particolare, 18. A
Forma de vida eremítica na Igreja particular, 2022, pp. 20-21 – Nota do original com acréscimo do
tradutor.
[8] Esta expressão parece um tanto clássica entre os autores que tratam da contemplação. Dom Estêvão Bettencourt, OSB, assevera que os dons do Espírito Santo “são como que velas desfraldadas que captam o sopro do Espírito e fazem o barco avançar muito mais rapidamente e com menos esforço do que anteriormente, quando o barco era movido a remos” (Pergunte e Responderemos n. 464, janeiro de 2001, p. 29) – Nota do tradutor.
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