OS EREMITAS CAMALDOLENSES DE MONTE CORONA

 

(Eremitas Camaldolenses de Monte Corona, Herrera, Espanha)

Origem – Os Monges Camaldolenses pertencem à Ordem Eremítica[1], implantada, na Itália, por São Romualdo no século XI, que é um ramo da Ordem Beneditina, fundada, no século VI, por São Bento, Patrono da Europa.

Difusão – A Ordem de São Romualdo, chamada Camaldolense devido ao Ermo de Camáldoli, que foi o último e o mais importante dentre os fundados por ele, propagou-se na Itália, seu berço, e também em outros países da Europa. Sua difusão tomou novo vigor no século XVI por obra do bem-aventurado Paulo Giustiniani (1476-1528), que é um dos maiores e mais santos monges camaldolenses, e o Pai da Congregação Camaldolense de Monte Corona. Ele, obtida do Papa Leão X a faculdade de fundar Ermos “em qualquer lugar da Itália, da Ásia, da África e das nações fiéis e infiéis”, já pensava em ir fundá-los nas Índias (Colômbia), mas sua morte prematura (28 de junho de 1528), na idade de 52 anos, o impediu de realizar plenamente seus desejos. Apenas depois de 441 anos, em 1969, seus desígnios foram atingidos com a fundação do Ermo de Nossa Senhora da Candelária, em Envigado (Antioquia), próximo de Medellin. Este é o primeiro Ermo Camaldolense na América Latina para os jovens que aspiram viver no grande e sublime ideal Camaldolense. Nos nossos dias[2], fora do referido Ermo Colombiano, a congregação dos Eremitas Camaldolenses de Monte Corona conta com Ermos na Itália, Polônia, Espanha e Estados Unidos.

Espírito e finalidade específica – A Congregação dos Eremitas Camaldolenses se inclui entre “os institutos que se ordenam integralmente à contemplação, de modo que seus membros se dedicam somente a Deus na solidão e no silêncio, em assídua oração e generosa penitência”. Deles o Concílio Ecumênico Vaticano II confirmou que “oferecem a Deus um exímio sacrifício de louvor, enriquecem o Povo de Deus com abundantes frutos de santidade, movem-no com seu exemplo, dilatam-no com misteriosa fecundidade apostólica e são glória da Igreja e manancial de graças celestes”[3].

De acordo com este tão competente testemunho, os Eremitas Camaldolenses evangelizam o Povo, mas sem falar. Como os faróis indicam aos navegantes, nas trevas da noite, o rumo que devem seguir para evitar o naufrágio, assim os monges eremitas Camaldolenses, a partir do cimo de suas montanhas, silenciosamente, indicam ao Povo de Deus o caminho da salvação.

Por isso, os Eremitas Camaldolenses, apesar de se dedicarem somente a Deus, ajudam efetivamente o povo de Deus, já que eles não esquecem de seus irmãos, os homens, mas os encontram em Deus.

Os Camaldolenses amam a Deus, como testemunha a sua vida, mas, em Deus e com o mesmo amor de Deus, amam a todos os homens, rezam e oferecem a Deus seus sacrifícios, suas privações, suas austeridades, sua vida para implorar paz, prosperidade, salvação para os seus irmãos, os homens de todo o mundo.

Atualidade – O ideal eremítico camaldolense é encantador; se é abraçado com sinceridade e generosidade, tem a força de romper as mais robustas cadeias que prendem à terra e escravizam o homem. Por isso, jovens generosos e homens maduros, que querem ser verdadeira e autenticamente livres, podem informar-se e dirigir-se para o Ermo, no qual os eremitas vivem pobremente, sem as comunidades e os prazeres que o mundo oferece, mas com o que o ser humano necessita para viver e ainda mais: com a liberdade das escravidões do mundo e a certeza de caminhar na via da salvação.

(Ermo de Monte Corona, Itália)

Solidão e silêncio – São o ambiente natural dos Ermos Camaldolenses. Por isso, os Mosteiros Camaldolenses estão situados à distância de alguns quilômetros de todo povoado e, de regra, a certa altura[4] que domina o vasto horizonte. Vistos de longe, assemelham-se a um pequeno povoado com sua Igreja[5] em lugar saliente, fileiras de casinhas (celas ou ermidas) com sua horta ou jardim adjacente, simetricamente alocadas, que são as moradias individuais dos eremitas; e alguns outros edifícios complementares para que nada falte a uma comunidade organizada, se possível, autônoma para tudo o que é necessário à vida. Assim como o silêncio é a linguagem mais eloquente para falar com Deus, do mesmo modo, a solidão é o cenário mais conveniente para ter audiências e, sobretudo, para viver em contínua intimidade com Ele. Mas nem a solidão nem o silêncio são absolutos, sendo sabiamente combinados com a inata exigência da natureza humana, à qual se concedem certos dias e certas horas de companhia e colóquio.

Austeridade – Sem um pouco de austeridade, nem sequer se concebe a vida eremítica. Mas isto não deve assustar a ninguém. Em um sistema de vida planejada para muitos, uns mais e outros menos fortes, tendo em conta a complexão média e, com ajustes a ela, avaliou-se a austeridade de vida equidistante entre o muito e o pouco. Mais ainda: a referida austeridade, junto com a solidão e o silêncio do Ermo, transforma-se em manancial de serenidade e paz, que preenchem o coração do monge.

Alimentação – Os eremitas jejuam durante alguns períodos do ano, mas sempre de forma muito moderada[6]; praticam perpetuamente a abstinência de carne, exceção feita por enfermidade ou fraqueza extrema; tomam sopas, comem legumes, verduras, pescados, ovos e produtos lácteos.

Jornada – No Ermo colombiano de Nossa Senhora da Candelária (*), a jornada do camaldolense começa às 3h30 da madrugada e termina às 19h15, quando o monge sai da capela, pega da cozinha sua frugal refeição, volta para a sua ermida, come e se deita para poder dormir 7 horas, segundo as exigências da natureza humana. Pois das 24 horas do dia, 7 são marcadas para dormir, 6 para a oração comunitária do Ofício Divino, da Missa Conventual e para a “lectio divina” – meditação – (duas horas: uma na madrugada e outra à tarde), 5 para o trabalho manual ou intelectual, 6 distribuídas, ao longo do dia, para o desjejum, o almoço, o alimento noturno[7], o asseio, a sesta (voluntária) e para um tempo livre.

Recursos – Os Camaldolenses vivem pobremente. Mas aquele que disse: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e todas as outras coisas vos será dada por acréscimo” (Mt 6,33) é sempre fiel às suas promessas. Por isso, aos Camaldolenses nunca falta o necessário. A pobreza que professam os faz dizer com São Paulo: “Enquanto tenhamos comida e vestes, estamos contentes com isto” (1Tm 6,8). O trabalho de suas mãos faz produzir as hortaliças de que necessitam, o cuidado de algumas vacas e de um pequeno bando de galinhas, oferece o leite, os ovos e também o queijo que requer a mesa frugal do eremita.

Comunidade – A Família Monástica-Eremítica tem monges Sacerdotes e monges não Sacerdotes. Os que chegam ao Ermo já Sacerdotes podem continuar no exercício do ministério em benefício da sua Comunidade e dos que querem receber, na Igreja[8] Conventual, os Sacramentos da Penitência e da Eucaristia. No entanto, todos os Eremitas, Sacerdotes e não Sacerdotes, rezam juntos, e, igualmente, participam juntos do trabalho manual, segundo a necessidade ou a indicação do Superior do Ermo.

Requisitos para ser admitido – a) Idade mínima de 18 anos completos, melhor mais do que menos; máxima entre 45 a 50 anos, depois da qual, em casos excepcionais, pede-se autorização à Santa Sé. b) Vontade sincera, generosa, firme, de entregar-se total e incondicionalmente ao serviço direto de Deus na vida contemplativa, para viver, na solidão e silêncio do Ermo, na contínua intimidade com Deus.

Os aspirantes à vida eremítica camaldolense devem responder a um questionário, que lhes será enviado, apresentar a certidão de batismo e confirmação e um atestado médico de boa saúde. Uma vez que tenha sido admitido no ermo, o candidato segue em tudo a vida da comunidade por um período de 3 meses na condição de aspirante e por outros 3 meses como postulante. Depois, se esta experiência for positiva, entra no noviciado, que dura 2 anos[9].

Não se requerem títulos especiais de estudo, mas um rotundo “sim” ao chamado de Deus.

Não cabe dúvida de que a vida eremítica camaldolense exige um grande espírito de fé e de sacrifício. Contudo, todos aqueles que são favorecidos pelo privilégio desta vocação e que a ela correspondem, generosa e fielmente, o Senhor lhes reserva uma paz e um deleite indescritíveis que compensam abundantemente, já nesta vida, todos os sacrifícios (Medellin, 6 de agosto de 1980).

Fonte: Cuadernos Monásticos 56 (1981, pp. 109-112 – Crônicas).

Tradução e notas: Ir. Vanderlei de Lima, eremita de Charles de Foucauld.

Revisão: Profª Thamara Rissoni.

Maiores informações: https://www.camaldolese.org/

(*) O Ermo colombiano de Nossa Senhora da Candelária, referido no artigo de 1981, mudou-se para Santa Rosa de Osos, Antioquia, Colômbia. Tem, agora, o nome de Ermo Camaldolense da Santa Cruz.



[1] Hoje, diz-se Congregação Camaldolense da Ordem de São Bento. Ela não tem apenas a vida eremítica, como o ramo dos Eremitas Camaldolenses de Monte Corona, nascidos no século XVI, mas busca viver, sobretudo a partir das reformas empreendidas no século XX, o chamado triplex bonun (o tríplice bem), assim registrado: “A Congregação Camaldolense da Ordem de São Bento é constituída por eremitérios e mosteiros. O elemento característico da tradição camaldolense é a unidade da família monástica no triplo bem de cenóbio-eremitério-evangelização. Três são os bens para aqueles que procuram o caminho do Senhor: para os noviços que vêm do mundo, o desejável cenóbio; para os maduros sedentos de Deus, a áurea solidão do eremitério; enfim, para aqueles que anseiam ‘dissolver-se e estar com Cristo’, o anúncio do Evangelho entre os pagãos” (VV. AA. Como água da fonte. São Paulo: Loyola, 2009, p. 11. Cf. São Bruno di Querfurt. Vita dei Cinque Fratelli. Camáldoli, 1951, p. 41 – Itálicos do tradutor deste artigo). A reforma dos Camaldolenses (que não foi abraçada pelos Eremitas Camaldolenses de Monte Corona), nos anos imediatamente anteriores e posteriores ao Concílio Vaticano II (1962-1965), teve forte influência de Dom Benedetto Calati, OSB Cam., com sua ideia do “primado do amor”. Os interessados podem conhecer um pouco do seu pensamento na sua obra Sabedoria monástica. Juiz de Fora: Subiaco, 2014. Cf. pp. 9-86; 338-357, especialmente.

[2] Diz respeito a 1981. Hoje – graças às informações recebidas de Javier Onrubia, da Espanha, via e-mail, em 25/10/2014 –, soubemos que os Eremitas Camaldolenses de Monte Corona contam com 10 Ermos pelo mundo: 3 na Itália, 2 na Polônia, 2 na Espanha, 1 nos Estados Unidos, 1 na Colômbia e 1 na Venezuela. São 60 membros na Congregação, sendo 30 sacerdotes e 30 irmãos. Estão com 9 noviços.

[3] Transcrito de Perfectae Caritatis n. 7, a tratar dos contemplativos em geral.

[4] Ao comentar, na vida de São Bento de Núrsia (cerca de 480 a 547), sua mudança de Subiaco (local mais oculto) para Monte Cassino (local mais visível, pois geograficamente alto), o Papa Bento XVI diz: “No ano de 529, Bento deixou Subiaco para se estabelecer em Monte Cassino. Alguns explicaram essa transferência como uma fuga das maquinações de um invejoso eclesiástico local. Mas esta tentativa de explicação revelou-se pouco convincente, dado que Bento não regressou para lá depois da morte repentina do mesmo (II Dial. 8). Segundo Gregório Magno, o êxodo do vale remoto do Anio para Monte Cassino, uma altura que, dominando a vasta planície circunstante, se vê ao longe reveste-se de um caráter simbólico: a vida monástica no escondimento tem sua razão própria de ser, mas um mosteiro tem também uma finalidade pública na vida da Igreja e da sociedade, deve dar visibilidade à fé como força de vida” (Padres da Igreja II. Campinas: Ecclesiae, 2012, pp. 23-24).

[5] Conservamos, por fidelidade ao original, a inicial maiúscula, mas deixamos claro ser sempre melhor dizer Igreja ao fazer referência ao Corpo místico de Cristo prolongado na história (cf. Cl 1,24; 1Cor 12,12-21) e igreja, com inicial minúscula, para referir-se ao templo ou à construção material.

[6] Esta recomendação remonta ao próprio São Romualdo: “Proibiu terminantemente aos outros, apesar de ele o ter praticado, muitas vezes, o jejum completo, isto é, passar um dia sem comida nenhuma. Efetivamente, dizia ser altamente conveniente à obtenção da perfeição comer a cada dia e ter sempre fome; e isso com continuidade, de sorte que o hábito tornasse leve o que aos principiantes parecia ser pesado no início da conversão. Ao contrário, não apreciava o fato de alguém iniciar com muito fervor sem perseverar pacientemente” (São Pedro Damião. A Vida de São Romualdo. Camáldoli, 1988, p. 32).

[7] Acrescentamos o adjetivo “noturno”, pois parecia estranho manter almoço e alimento. Poderiam soar como sinônimos. Daí destacarmos, com o qualificativo “noturno”, aquele alimento que o eremita pega da cozinha e leva à sua cela às 19h15. Ele não se confunde, é óbvio, com o almoço. Contudo, também não se assemelha a um jantar propriamente dito, mas, por certo, sustenta o religioso no fim de sua jornada diária.

[8] Cf. nota 5 deste artigo.

[9] Estamos falando de 1981. Não tivemos como confirmar se tal caminho formativo permanece ou se terá mudado. Parece, no entanto, que a idade máxima para ingresso é de 45 anos.

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