A MORTE, O VERDADEIRO NASCIMENTO DO CRISTÃO


 (Capa do nosso livro sobre o tema).

Este artigo trata da morte em seu duplo aspecto: o humano e o da fé. Certo é que o tema, amplo e complexo como é, vai aqui apenas muito sintetizado.

            É natural e certa

À luz da razão apenas, a morte é a única certeza que se tem sobre uma pessoa quando ela nasce. Sim, ninguém é capaz de dizer, com total segurança, se ela será engenheira, médica, doméstica etc., mas pode, sem receio algum de errar, afirmar que, um dia, aquele ser humano morrerá[1]. O corpo debilitado pela doença, idade ou por acidente já não consegue manter as suas funções vitais.

A Medicina define a morte clínica como o momento em que o declínio da atividade neurológica é irreversível (cf. Resolução CFM n. 2.173/17[2]).

            É consequência do pecado original

À luz da fé, “a morte é uma consequência do pecado, enquanto o dom da imortalidade corporal foi perdido com Adão” (Bernardo Bartmann. Teologia dogmática. vol. 3. São Paulo: Paulinas, 1962, p. 421).

Expliquemos: Deus criou o homem e a mulher e elevou-os à condição sobrenatural de filhos com os dons que acompanhavam tal elevação; um desses dons era a imortalidade (cf. Gn 2,17; 3,19). Desse modo, cada ser humano passaria deste mundo para Deus por meio de um leve sono, sem sofrimento algum.

Entretanto, com o pecado original originante, o primeiro casal perdeu a filiação divina e os dons anexos (cf. Gn 3,1-24). Diante disso, todos os seres humanos nascemos com o pecado original originado. Ele não é uma culpa pessoal, mas a falta da graça santificante e dos dons dela decorrentes. Somos, sem culpa alguma – por solidariedade –, herdeiros da desgraça dos primeiros pais; por isso, sofremos a morte dolorosa não querida, mas permitida por Deus (cf. Gn 2,17; 3,19; Sb 1,13; 2,23-25; Rm 5,12).

Disso provêm os múltiplos tipos de mortes (repentina, lenta...) por causas variadas (acidente, doença, idade avançada...). Ora, ninguém consegue explicar a contento a razão de cada tipo de morte, mas Santa Catarina de Sena diz que Deus lhe ensinou o seguinte: “‘Quando permito a morte trágica de alguém, o que realizo em tais casos, é livrar alguém da morte eterna’. Não podemos conhecer os desígnios de Deus para a salvação das almas. Estamos preocupados com esta vida; mas Deus está mais preocupado com a eternidade” (Felipe Aquino. O cristão diante da morte. 2ª ed. Lorena: Cléofas, 2015, p. 45).

            O medo da morte e a preparação para morrer bem

A morte – separação da alma espiritual e do corpo material – causa medo. Não ter medo de morrer é, do ponto de vista humano, anormal (cf. Leo Trese. A caminho do céu. São Paulo: Quadrante, 1989, p. 98-100), exceto quando a pessoa crê – até por graças místicas – que a morte não é o fim de tudo, mas o começo da vida sem ocaso.

Sim, “a Igreja considera o dia da morte como um dia de nascimento. O próprio Cristo, representante de Deus Pai, vem como seu mensageiro e busca os seus para levá-los à glória, na qual Ele vive desde a ascensão (Hb 2,10; 3,6; Jo 14,2; At 22,21)” (Michel Schmaus. A fé da Igreja. vol. 6. Petrópolis: Vozes, 1981, p. 203).

Ainda: São Gregório Magno diz que Deus, para o nosso bem, nos oculta a hora da morte a fim de que estejamos sempre preparados[3] (cf. O cristão diante da morte, p. 46). Importa, pois, pedir, confiante, a cada dia, a graça da boa morte. Esta consiste em estar preparado espiritualmente para o encontro com Deus como se Ele fosse nos chamar agora a prestar contas de nossos talentos (cf. Mt 25,19).

Embora, seja uma piedosa tradição suplicar ao Senhor que nos livre da morte súbita e repentina a fim de que, na doença mais ou menos longa, tenhamos tempo de buscar uma melhor preparação, por meio da intensificação da oração e dos sacramentos – especialmente da Confissão, da Eucaristia e da Unção dos Enfermos[4] –, a pessoa que morre de repente também pode estar bem preparada para o encontro com Deus. Afinal, cada um deve viver santamente e rezar com fé, todos os dias, pedindo a intercessão de Nossa Senhora para que Ela rogue por nós, “agora e na hora de nossa morte”. Se assim o fizer, no instante final, poderá dizer como Nosso Senhor: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).

            “Onde está a tua vitória, ó morte?” (1Cor 15,55)

Quem se prepara, de modo sadio e santo, para a morte, embora não deixe de sofrer com a partida dos seus ou com a sua própria, pode, sereno e feliz, bradar: “Onde está a tua vitória, ó morte?” (1Cor 15,55). Sim, pois não fomos feitos para a morte, mas para a vida plena (cf. Jo 10,10; Catecismo da Igreja Católica n. 1005-1019).

Vanderlei de Lima


[1] O cardeal Raniero Cantalamessa, OFM Cap., escreve: “Quando nasce um homem – escrevia [Santo Agostinho – nota nossa] – fazem-se tantas hipóteses: talvez será belo, talvez será feio; talvez será rico, talvez será pobre; talvez viverá muito, talvez não... Mas de nenhum se diz: talvez morrerá, talvez não morrerá. Esta é a única coisa absolutamente certa da vida. Quando sabemos que alguém está doente de hidropisia (à época, esta doença era incurável, hoje são outras), dizemos: ‘Coitado, deverá morrer; está condenado, não há remédio’. Mas não deveríamos dizer a mesma coisa sobre alguém que nasce? ‘Coitado, deverá morrer, não há remédio, está condenado!’. Que diferença há se em um tempo mais ou menos longo ou breve? A morte é a doença mortal que se contrai ao nascer (cf. Santo Agostinho, Sermo Guelf. 12,3 (Miscellanea Agostiniana, I, pp. 482ss). Primeira pregação do Advento de 2020: https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2020-12/cantalamessa-primeira-meditacao-morte-texto-completo.html, acesso em: 10/06/2021).

[3] Na homilia da Missa celebrada na Casa Santa Marta, na quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019, o Papa Francisco, comentando a primeira leitura (Eclo 5,1-10), convidou a não ter medo e a não adiar a conversão, “confiando na misericórdia infinita de Deus”. O Santo Padre disse que cada um pode erroneamente pensar: “‘Ah, eu me dei bem até agora, eu vou conseguir...’ Não. Você se deu bem, sim, mas agora não sabe... Não diga: ‘a compaixão de Deus é grande, Ele irá perdoar os meus muitos pecados’, e, assim, eu continuo fazendo o que eu quero. Não diga isso”. Mais: “Não espere para se converter ao Senhor, não espere para se converter, para mudar de vida, para aperfeiçoar a sua vida, para arrancar de você o joio ruim, todos nós temos, devemos arrancá-lo... Não espere para se converter ao Senhor e adiar [a conversão – nota nossa] de dia em dia, porque, de repente, se manifestará a ira do Senhor” [...] “Nenhum de nós tem certeza de como sua vida terminará e quando terminará”. Daí a importância do Exame de Consciência diário: “Esses 5 minutos no final do dia nos ajudarão, nos ajudarão muito a pensar e a não adiar a mudança do coração e a conversão ao Senhor” (ACI Digital, 28/02/19, online – itálico nosso).

[4] De modo geral, a título de esclarecimento, digamos o seguinte: à exceção da Unção dos Enfermos, reservada sem descuido ao período da velhice ou de doença, a Confissão sacramental e a Santa Missa com a recepção da Comunhão Eucarística devem ser muito frequentes na nossa vida. Daí a mãe Igreja recomendar, nos seus mandamentos, que todo fiel católico participe de Missas inteiras aos domingos e festas de guarda; confesse seus pecados ao menos uma vez por ano e comungue pelo menos na Páscoa.

Do que foi dito, decorre ser imprescindível participar da Santa Missa no domingo ou no sábado à tarde ou à noite (liturgia do domingo), bem como nos demais dias de preceito (Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, 1º de janeiro; Corpus Christi, em data variável após a oitava de Pentecostes; Imaculada Conceição de Nossa Senhora, 8 de dezembro, e Natal, 25 de dezembro).

A Confissão sacramental deve ser feita, de modo obrigatório, toda vez que o fiel estiver em pecado grave; mas, uma vez no confessionário, acusará também os pecados leves (cf. Código de Direito Canônico, cân. 988 §§ 1 e 2). Todavia, recomenda-se, para o bom progresso espiritual, a confissão frequente dos pecados leves ou veniais (cf., por exemplo, Pio XII. Mystici Corporis Christi, n. 86). Todo fiel, em estado de graça, há de receber ainda a santa comunhão ao menos na Páscoa; contudo, recomenda-se que o faça semanal ou até diariamente (cf. São Paulo VI. Mysterium fidei, n. 68). Podemos comungar até duas vezes no mesmo dia dentro da Santa Missa (cf. Código de Direito Canônico, cân. 917).

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