IRMÃ NAZARENA: 45 ANOS RECLUSA

 

(Nem mesmo as outras irmãs viram o seu rosto ou ouviram a sua voz)

            Religión en Libertad, 20/05/2024

Irmã Nazarena Crotta nasceu em 1907 e morreu em 1990. Passou seus últimos 45 anos de vida, em um mosteiro camaldolense, em Roma, enclausurada em uma cela por sua própria vontade, após uma vocação singular e uma autorização especial do Papa Pio XII. Na sua morte, quase nenhuma das suas irmãs nunca a tinham visto. David Murgia relembra sua história em Il Timone:

            Irmã Nazarena, a reclusa de Roma

Chamam-na simplesmente de “a reclusa do Aventino”, mas o seu verdadeiro nome é Irmã Nazarena, nome de batismo Júlia Crotta. Foi a última religiosa “reclusa” deste século [o XX – NdT]. Isto é, graças a uma autorização especial que lhe permitiu a reclusão monástica (o mais alto grau de eremitismo), passou 45 anos como monja camaldolense em uma pequeníssima cela de um mosteiro do Aventino, no centro de Roma. Sem nunca falar nem ver ninguém. Como se tivesse sido sepultada em vida.

A reclusão é um modo de vida diferente da clausura. É muito mais parecida com o ideal do eremita, pela austeridade de vida e pelo isolamento. Pela extraordinária e pouco conhecida história desta humilíssima monja se interessaram Papas e simples fiéis. E ainda hoje, há mais de vinte anos após sua morte, sua história segue fascinando e levantando questionamentos, apesar de Irmã Nazarena nunca ter saído da pequenina cela do mosteiro romano. Quis desaparecer do mundo. Não fez nem disse nada de especial. Mas a história da “reclusa de Roma” enleva e comove todo aquele que dela chega a ter conhecimento.

            Da quadra de basquete para o deserto

Júlia é americana (nasceu a 15 de outubro de 1907 a poucos quilômetros de Hartford, Connecticut). É musicista e esportista. Muito alta, joga basquete como uma campeã; é também estudiosa exemplar. Tem um futuro brilhante pela frente.

Aos 27 anos, faz um retiro espiritual em preparação para a Páscoa e vive aquilo a que ela definiu como uma nox beatíssima [noite beatíssima – NT.], uma experiência que, como ela mesma relata em seus diários, mudará para sempre o rumo da sua vida, durante o qual o próprio Jesus a chamará para que lhe faça companhia no deserto e cujo resultado final serão 45 anos de reclusão monástica.

A voz que ela ouve lhe pede: “Vem comigo para o deserto. Estou tão só... Vem comigo, não te abandonarei nunca”. Júlia não entende logo o que lhe é pedido. Pensa em ir, literalmente, para o deserto de Judá, na Palestina. Pede ajuda ao seu diretor espiritual. Passam-se onze anos desde esse primeiro chamado ao deserto, sem que Júlia jamais abandone o seu propósito. Tenta entrar em algumas comunidades religiosas muito rigorosas, como o Carmelo, mas não é exatamente o que busca. Aconselhada por seus diretores espirituais, encontrará o que deseja em Roma, no mosteiro de Santo Antão Abade, na colina do Aventino. Tornar-se-á reclusa da Ordem dos Camaldolenses que, desde as suas origens e por vontade do seu fundador São Romualdo, está dividia em um ramo cenobítico e outro eremítico.

            Em cinco metros por três

A 21 de novembro de 1945, Júlia é recebida pelo Papa Pio XII, que a abençoa e, sobretudo, lê a regra de vida que Júlia tinha escrito para a sua própria reclusão. Pio XII teme que o estilo de vida de reclusa seja demasiado exigente para a jovem, mas, no fim, por insistência dela, acaba por aprová-lo.

Um sacerdote e algumas religiosas, que se encarregaram do seu alojamento, acompanham-na à cela da qual nunca sairá até ao fim de seus dias.

Eis o que ela escreve, em um dos seus diários, sobre esse dia: “Quando entrei na cela de reclusão e depois que as religiosas que haviam me acompanhado já tinham se ido e fecharam a porta, que alegria, que alegria! Levantei os braços para o céu, sentia dentro de mim com certeza: Aqui estou, por fim, no meu lugar. No lugar que Deus quis para mim”.

Irmã Nazarena viverá em uma cela de cinco metros por três durante 45 anos. Dorme, sem colchão nem almofada, sobre um baú de madeira onde foi cravada uma cruz. Sim, uma grande cruz.

Trabalha algumas horas por dia entrelaçando palmas que são distribuídas no período da Páscoa. O resto do dia passa rezando, estudando e participando da missa a partir de uma pequena janela com uma grade, através da qual recebe a comunhão.

A sua visão do mundo é oferecida por uma janela que dá para o Circo Máximo. Com um esforço, pode se ver, a partir dali, a cúpula de São Pedro. Não fala com ninguém. Só o seu confessor tem acesso a ela. As próprias religiosas da comunidade nunca a viram.

Irmã Nazarena se alimenta apenas de pão e água quase todos os dias da semana. Em períodos litúrgicos especiais, come ainda menos. No entanto, está sempre saudável, equilibrada e de bom humor. Veste um hábito muito modesto. Não traz nada consigo, nem mesmo o seu querido violino. Em sua cela, há espaço apenas para alguns livros.

            Diários e regras místicas

O que dela sabemos devemo-lo aos seus diários, às cartas que enviava aos seus diretores espirituais e às suas memórias autobiográficas, que nos falam de uma experiência fora do tempo, com palavras e acentos que recordam os dos Padres do Deserto e um profundo conhecimento da Bíblia.

Escritos que são verdadeiras obras-primas da mística. Textos que, no final dos anos oitenta, começaram a circular nos meios católicos. Sobre eles se liam e se meditavam. Fascinaram, inclusive, Vittorio Gassman. À volta de sua figura, nascem, em Roma, círculos e encontros nos quais os participantes se interrogavam sobre linhas como esta: “Só na solidão silenciosa me sinto feliz, em paz, no lugar feito para mim. Fora, em contato com as almas, sinto-me infeliz, inquieta, como um peixe fora da água. Sofro até que não volte; e, então, que alegria estar fechada aqui, só com Ele!”.

Muitas de suas cartas são dirigidas ao Padre Paul Augustin Mayer, religioso beneditino alemão e futuro cardeal. Irmã Nazarena redige também a sua própria regra de vida. Uma regra que ela atualiza continuamente. As regras foram, ao longo dos séculos, um instrumento formidável para conhecer a história dos reclusos. Além disso, há estudos fascinantes neste sentido sobre as doações testamentárias. De fato, é graças a estes documentos jurídicos que foi possível reconstruir a história daqueles que escolheram este tipo de vida ascética.

O recluso, precisamente devido à sua vocação especial, não quer deixar nada de si mesmo. Como dizíamos: o recluso quer morrer aos olhos do mundo. Portanto, quando um recluso ou uma reclusa não deixam escritos, é muito difícil reconstruir sua vida; por isso, só foi possível ter conhecimento da existência de alguns reclusos graças às disposições testamentárias deixadas a seu favor.

            45 anos no lugar desejado por Deus

“Nunca, nunca, em 43 anos de reclusão”, escreve a religiosa em um dos seus diários, “senti uma só vez a tentação de sair da reclusão. Sempre senti, com alegria e reconhecimento, que estou no meu lugar, no lugar que Deus quis para mim. Nenhum sacrifício foi demasiado grande para permanecer sempre em reclusão”.

Irmã Nazarena morreu, aos 82 anos, em sua cela, em 7 de fevereiro de 1990, dia em que os beneditinos camaldolenses recordam o seu fundador, São Romualdo. Ante as notícias de suas gravíssimas condições de saúde, todas as religiosas da comunidade acorrem ao seu lado.

Para quase todas, era a primeira vez que veem o seu rosto. É a primeira vez que veem Irmã Nazarena. Chamam o seu confessor e levam à cela uma pequena poltrona para sentá-la e para que, assim, esteja mais confortável. Em 45 anos, Irmã Nazarena nunca havia tido uma mesa ou uma cadeira.

Entre as suas últimas anotações, encontram-se estas linhas: “Deus queria uma pequena cela anacorética em São Pedro e nos grandes centros do mundo para pregar de maneira simples e contínua... Seria belo ter ali, aos pés do Papa, no coração da Igreja, uma pequena hóstia verdadeiramente viva, unida de maneira especial à hóstia divina... Esta pequena cela de anacoretas tão elevada [refere-se à cúpula de S. Pedro – NdR], próxima à vida celeste, tem de ser como um farol divino elevado, para que todos possam vê-lo”.

            Tradução: Vanderlei de Lima / Revisão: Thamara Rissoni.

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