EUCARISTIA: SUBIR ATÉ DEUS E DESCER ATÉ OS POBRES

 

(Foto ilustrativa: Dom Emanuele Bargellini, OSB Cam, celebra a Eucaristia)

A primeira semana de junho foi uma das mais ricas – liturgicamente – do meu sacerdócio. Como parte do “Renascimento Eucarístico Nacional”, a peregrinação mariana percorreu minha diocese a caminho de Indianápolis. Percorremos, com o Santíssimo Sacramento, as ruas de Rochester e Minnesota; depois, celebrei uma grandiosa e festiva Missa no Centro Cívico da cidade. Poucos dias depois, celebrei uma Missa na cidade de La Crescent, que fica exatamente à margem de Minnesota, do rio Mississippi; e, a seguir, peregrinei, com a Eucaristia, na companhia de cerca de três mil pessoas, para La Crosse, na margem do Wisconsin.

No final da procissão, entreguei o ostensório ao meu colega Gerard Battersby, bispo de La Crosse, e celebramos juntos a missa para a multidão reunida no Centro Cívico de La Crosse. Todos estes serviços de oração e liturgias eucarísticas se caracterizaram pelos cânticos, sinos, incenso que saía dos incensários, paramentos suntuosos e ladainhas em abundância. No dia seguinte ao da missa de La Crosse, tive o privilégio de ordenar sacerdotes três jovens na minha diocese de Winona-Rochester. A liturgia da ordenação, uma das mais belas do repertório da Igreja, incluiu –  além de tudo o que acabo de mencionar – a unção das mãos dos recém-ordenados, uma recepção formal por parte de todos os sacerdotes presentes e uma cerimônia de investidura.

Tudo isso foi maravilhoso. Tudo isso, tenho a certeza, elevou os corações e as almas dos que o vivenciaram. Na mente de alguns, porém, este tipo de grande espetáculo litúrgico suscita uma questão, até mesmo uma crítica: O que isso tem a ver com o trabalho da Igreja de atender aos doentes e necessitados? O que tudo isso tem a ver com Jesus, que percorria, vestido com simplicidade, os caminhos poeirentos da Galileia e estendia a mão aos pobres? Será que a preocupação com a música, os ornamentos, as procissões, as ladainhas etc., equivale a uma espécie de esteticismo incontestável, a uma fixação pelas tontices litúrgicas? Com efeito, não ouvimos exatamente esta crítica de sacerdotes mais velhos aos mais jovens?

Permitam-me dizer que, na medida em que é correta, esta preocupação é válida, porque a Igreja, como nos recordou Joseph Ratzinger, faz três coisas: com efeito, adora a Deus, mas também evangeliza e serve os pobres. E o gênio particular da Igreja manifesta-se quando consegue manter estas três tarefas em equilíbrio, cada uma corrigindo as outras e cada uma conduzindo às outras. Se me permitem, para efeitos deste artigo, centrar-me na primeira e na última destas responsabilidades essenciais, o culto a Deus deve conduzir ao cuidado dos pobres, e o cuidado dos pobres deve conduzir ao culto a Deus, e isto por uma simples razão. O culto consiste em centrarmo-nos em Deus, assegurando, com gestos, palavras, cânticos, procissões etc., que Deus é a preocupação central e última de nossas vidas. Mas quanto mais amamos a Deus, mais amamos aqueles que Deus ama; e quanto mais amamos aqueles que Deus ama, mais amamos Aquele que os fez amáveis em primeiro lugar. Por isso, São João nos fala que aquele que diz que ama a Deus, mas odeia o seu próximo é um mentiroso, e, por essa razão, o próprio Senhor insistiu que há dois mandamentos indispensáveis: o amor a Deus e o amor aos irmãos. Gostaria de expressar isto como um princípio: quanto mais se sobe liturgicamente, mais se deve descer no serviço aos pobres; e quanto mais se desce no serviço aos pobres, mais alto se deve ir liturgicamente. O perigo é uma ênfase unilateral na liturgia ou uma ênfase unilateral no serviço, a primeira conduz à irritação e a segunda reduz a Igreja a uma organização de serviço social.

Há tantas grandes figuras na história recente da Igreja que encarnaram meu princípio nas suas vidas e no seu trabalho. Alguém poderia pensar em Dorothy Day, a fundadora do Movimento do Trabalhador Católico. Não houve ninguém na Igreja do século XX mais dedicado a servir os pobres e os famintos e a lutar contra a injustiça social do que Dorothy Day e, no entanto, sua devoção à oração, à bênção, ao rosário, aos frequentes retiros espirituais e, claro, ao Santíssimo Sacramento era irrestrita. Madre Teresa de Calcutá foi um ícone de serviço durante o seu longo ministério entre os mais pobres dos pobres. Nenhum católico do século XX teve um compromisso mais encarnado com o sofrimento e se identificou mais com ele do que Madre Teresa e, no entanto, seu amor pela oração era ilimitado, sua atenção à Eucaristia insuperável. E, se voltarmos ao início, podemos chamar a atenção sobre Virgil Michel, Reynold Hillenbrand e Romano Guardini, todos eles estandartes do Movimento Litúrgico que tanto influenciou no Vaticano II. Cada um destes senhores sustentava que o que acontece na Missa, no seu esplendor, deveria se derramar pelas ruas como devoção aos membros sofredores do Corpo Místico de Cristo. Como me contaram sacerdotes mais antigos de Chicago, quando eu era recém-ordenado, o bispo Hillenbrand convidou Dorothy Day ao Seminário de Mundelein para sublinhar precisamente esta relação.

Um dos tristes acontecimentos dos anos posteriores ao Vaticano II é o desmoronamento do que, uma vez, foi unidade. Agora, os “liberais” tendem a ser os que se preocupam com os pobres e os “conservadores” os que se preocupam com a liturgia. Mas isto é estúpido e perigoso para a Igreja. Quanto mais se é um, mais se deve ser o outro, e vice-versa. Por isso, uma vez mais, gostaria de repetir o meu adágio: quanto mais se sobe liturgicamente, mais se deve descer no serviço aos pobres; e quanto mais se desce no serviço aos pobres, mais alto se deve ir liturgicamente.

            Dom Robert Barron, bispo de Winona-Rochester, doutor em Teologia e escritor

            [Tradução: Vanderlei de Lima / Revisão: Thamara Rissoni].

            https://es.zenit.org/2024/06/17/cuanto-mas-se-sube-liturgicamente-mas-se-baja-en-el-servicio-a-los-pobres-por-bishop-barron/?eti=15434 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A POLÍCIA MILITAR PAULISTA

CÔNEGOS DA SANTA CRUZ E OBRA DOS SANTOS ANJOS

OS CÔNEGOS REGULARES PREMONSTRATENSES