SERMÃO DO DESCENDIMENTO DA CRUZ
O Sermão do Descendimento
da Cruz acontece após a ação litúrgica da Paixão do Senhor ou após a Via Sacra ou
mesmo antes de iniciar a procissão com o Senhor morte como é tradição em muitas
comunidades. Relembramos por um momento o que José de Arimatéia fez, ao tirar o
corpo do Senhor da Cruz. Recordo que nesse dia a coleta que se faz se destina aos
lugares santos, com todos os trabalhos sociais, educacionais e de conservação
dos locais e acolhimento de peregrinos.
Além do sermão
proferido pelo sacerdote, esse momento na medida do possível é encenado, usa-se
uma Cruz própria ou algum paroquiano encena. À medida que se encena dá mais
vivacidade para o momento. Normalmente é feito num lugar alto, na frente ou
dentro da Igreja para que todos os fiéis possam ver e participar.
A Sexta-Feira
Santa é um dia de reflexão e recolhimento, além de jejum e abstinência. Por
isso, ao longo da Sexta-Feira é importante viver esses momentos de oração para
enriquecer a nossa espiritualidade. A Sexta-Feira Santa é um dia para rezar,
não é um dia para passear, ou se divertir. Pela manhã somos convidados a ir em
nossas paróquias para o momento de oração e adoração, na parte da tarde a
celebração da paixão e adoração da Cruz, via sacra e sermão do descendimento da
Cruz seguidos da procissão pelas ruas da paróquia. Em alguns locais tem também
o momento culturas com o Auto da Paixão. É um dia todo voltado para a oração,
iniciando logo cedo e terminando somente a noite.
Não podemos deixar
o Senhor pregado na Cruz, temos que tirá-lo dela, limpar as suas feridas e
entregá-lo à sua Mãe para que possa sepultá-lo. Sabemos que o Senhor venceu a
morte, não está nem mais no sepulcro e nem na Cruz, o madeiro está vazio, pois
o Senhor da vida venceu a morte. Precisamos tirá-lo da Cruz para que Ele possa
ressurgir glorioso no Sábado Santo. Jesus vai ressurgir glorioso com a marca
dos pregos e da lança em seu corpo. Peçamos que os nossos pecados tenham sido
pregados na Cruz e possamos ressurgir para uma vida nova na vigília da
ressurreição. Essa é a ideia da Quaresma e da Páscoa, deixar morrer em nós o
velho homem e ressurgir para uma vida nova.
Ao tirar o corpo
do Senhor da Cruz e entregá-lo à sua mãe, podemos lembrar de tantas mães que
recebem os corpos de seus filhos nos braços, que infelizmente são mortos
precocemente devido a violência, drogas ou acidentes. Com certeza a dor de
Nossa Senhora foi a mesma, mas Ela recebeu o conforto de Deus e guardava tudo
em seu coração, tinha a certeza que Ele ressuscitaria dos mortos. Rezemos por
essas mães dos dias de hoje, que recebem o corpo de seus filhos em seus braços
para que recebam de Deus o conforto e acreditem na vida eterna. Ninguém quer
ver o outro sofrer, ainda mais sendo filho, por mais que seus pecados tenham
sido grandes, e não cabe a nós julgar as suas atitudes. Entreguemos aqueles que
morrem precocemente a misericórdia de Deus.
A partir do evento
da Cruz que os Evangelhos começaram a ser escritos, assim como qualquer outra
biografia os evangelhos fazem memória de tudo aquilo que Jesus fez e tem o
intuito de deixar guardado tudo aquilo que Ele fez enquanto esteve entre nós.
Normalmente se escreve sobre uma pessoa após a sua morte, para que tudo aquilo
que Ele fez fique em perpétua memória.
Ao contemplar a
cruz de Cristo, cremos na vitória da ressurreição e na vida eterna. Em setembro
celebramos a Exaltação da Santa Cruz, mas não adoramos o madeiro da cruz em si,
mas adoramos aquele que morreu nela e venceu a morte. É comum entoarmos esse
cântico na Sexta-Feira Santa: “Vitória tu reinarás, ó Cruz tu nos salvarás”.
A Cruz que para muitos é derrota ou o fim, para nós é vitória e o início de uma
nova vida. Desde o nosso batismo somos marcados com a cruz de Cristo e a fé na
cruz de Cristo nos acompanhará ao longo de toda vida, até ao dia de nossa
morte.
Jesus se entrega à
Cruz livremente, Ele, que foi aclamado como Rei ao entrar em Jerusalém, é
crucificado e recebe como o sinal da realeza a coroa de espinhos. Como um
cordeiro conduzido ao matadouro Ele sofre em silêncio e entregue a morte de Cruz.
Jesus desde o início é um rei diferente, ou seja, nunca quis o poder ou ter,
não vivia em palácio e nem vestia roupas de ouro, mas viveu sempre a humildade
e ensinava unicamente o amor. A vida pública de Jesus foi uma subida rumo a
Jerusalém e tinha como meta selar eternamente a aliança de amor de Deus com a
humanidade.
Iniciemos o
descendimento da Cruz pedindo autorização a Deus para tirar o corpo de seu Filho
da Cruz. José de Arimatéia havia pedido autorização para Pilatos, mas para
carregar o corpo do Senhor é preciso ter autorização de Deus, pois é necessário
fé e coragem para transportar o corpo do Senhor. É preciso acreditar que Ele
não está mais ali, mas está vivo, e intercede junto ao Pai por nós.
Primeiro tirem a
inscrição “INRI”, que significa: Jesus Nazareno Rei dos Judeus, escrito
em hebraico, latim e grego. Essa inscrição se torna para nós uma profissão de
fé e rezamos diariamente no Pai Nosso: “Venha a nós o vosso reino”. O
Reino de Deus só se fará presente em nossa vida, a partir do momento que
fizermos a vontade de Deus. Ele é o caminho, a verdade e a vida.
Tirem a “coroa
de espinhos”, essa coroa não era digna de um rei, ainda mais um rei como
Jesus. Puseram uma coroa falsa naquele que era o verdadeiro rei. Os espinhos
simbolizam as consequências do pecado. Muitas vezes nós cravamos essa coroa em
Jesus, quando não realizamos a sua vontade e cometemos pecados.
“Desprendam o
braço direito”, ao
ser crucificado recebeu pregos em suas mãos e pés. Imaginemos a dor que Jesus
sentiu ao receber esses pregos. Nós também colocamos esses pregos em Jesus toda
as vezes que pecamos e que não fazemos a sua vontade em nossa vida. Ferimos
Jesus todas as vezes que não permitimos que as nossas crianças tenham uma
educação de qualidade.
“Desprendam o
braço esquerdo”, é preciso desatar os braços do Mestre, o braço que foi
esticado e preso na Cruz, o braço que foi feito para abençoar e fazer o bem,
não pode ficar preso na Cruz. Que todas as vezes que o nosso braço nos levar a
pecar, lembremos das feridas que Jesus sofreu ao ter seu braço preso na Cruz.
“Desprendam os
pés”, os
pregos de seus pés com certeza eram maiores ainda que os pregos de suas mãos,
pois pregaram seus dois pés juntos. Imaginemos a tamanha dor que Jesus sentiu,
e ainda tendo que suportar a dor do flagelo que sofreu, da coroa de espinhos e
dos pregos das mãos. Que todas as vezes que impedirmos alguém de caminhar, ou
privar alguém de liberdade, possamos pensar o que Jesus sofreu ao ter seus pés
pregados.
Por fim, “desçam
o corpo de Jesus”, nesse momento façamos um profundo silêncio em sinal de
respeito, ao Mestre que falecido é tirado da cruz. Imaginemos a cena do corpo
de Jesus sendo entregue a Maria, sua mãe. Lembremo-nos nesse momento de tantas
mães que recebem os seus filhos “mortos” em seus braços. Mortos pela violência,
balas perdidas, tráfico, doenças etc. Que o Espírito Santo conforte o coração
dessas mães, do mesmo modo que confortou o coração de Maria Santíssima.
Após tirar o corpo do Senhor da Cruz, o sepultemos, mas crendo que Ele ressuscitará dois dias depois. Da mesma forma que Jesus disse a Lázaro: “Vem para fora”, digamos a Jesus “Senhor, vem para fora”. Vem nos libertar da fome, da pobreza, da violência, das drogas e da falta de fé. Que com a ressurreição no Sábado Santo tudo se faça novo e o mundo possa se renovar com a luz que ilumina as trevas.
Orani João,
Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
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