OS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS REQUEREM ATENÇÃO E TRATAMENTO

 

(Imagem ilustrativa)

Importa, já de início, frisar que por transtornos psiquiátricos não entendemos, aqui, os mais comuns (depressão, ansiedade, TOC etc.), mas, sim, a separação da realidade evidente à imensa maioria dos humanos sadios. Detalhemos.

O homem ou a mulher mentalmente sãos vivem conscientes numa realidade objetiva, portanto evidente. Ora, a Filosofia clássica nos ensina que a evidência é o que se dá quando o contrário é impossível. Pois bem, se temos uma caneta da marca Bic de cor preta nas mãos, qualquer pessoa em estado normal de consciência a reconhecerá como tal. No entanto, para alguém com um transtorno psiquiátrico grave aquela caneta Bic preta pode ser uma filmadora, um objeto cortante, uma bomba etc. Isso porque a sua doença o leva a uma “realidade” subjetiva, própria e distorcida.

Sim, nesse “seu mundo”, repleto de delírios (crenças errôneas e exageradas) e alucinações (ouvir e ver o que não existe na realidade objetiva), a pessoa com transtorno constrói muitas fantasias que levam a ciúmes (“minha esposa está me traindo”), a mania de perseguição (“colocaram câmeras escondidas em minha casa”) ou de grandeza (“sou o rei da Espanha”) etc. Não adianta tentar trazê-lo à razão, pois entre a nossa realidade objetiva e a sua subjetiva, o portador de transtorno psiquiátrico sempre ficará com a dele. Tentar convencê-lo do contrário só aumenta o problema. Daí as sentenças populares: “Com louco não se discute, concorda-se” ou “Um louco nunca afirma ser louco”.

Se queremos, num momento difícil, ajudá-lo e auxiliar também quem o cerca, é preciso “entrar no seu mundo”. Por exemplo, em 2019, um sargento PM, atendendo à ocorrência de um homem a se declarar jurado de morte por extraterrestres, fingiu acreditar na sua história e, assim, o convenceu a se enrolar num lençol, entrar na viatura e dirigir-se, de novo, ao hospital psiquiátrico de onde fugira. A lógica era simples ao homem: o policial militar se tornara seu amigo, portanto, o compreendia bem. O lençol o protegeria dos extraterrestres e a viatura o afastaria da área de risco dominada pelos ETs. Com o tempo, aquele homem, tratado com o carinho necessário e a medicação apropriada, melhorou. A compreensão de sua grave doença, por parte do policial, fez toda a diferença.

Aqui, uma questão crucial se coloca: alguém com transtorno mental grave, como o atrás descrito, pode cometer crimes chocantes? – Nossa resposta objetiva é: sim, pode, mas muito raramente. E quando mata é, certamente, por medo de inimigos, via de regra, imaginários. Um caso nos parece típico: o ataque ativo, em 11 de dezembro de 2018, a fiéis na catedral de Campinas. Ali, um atirador promoveu verdadeira chacina. Cabe dizer que ele tem traços do sujeito em forte surto psicótico paranoico, ou seja, um ser humano com séria desordem psíquica capaz de isolá-lo da realidade e fazê-lo sentir-se, entre outras coisas, perseguido – sabe-se lá o porquê e por quem – por isso ataca a esmo. Todavia, casos como estes são muito raros (cf. Carlos Eduardo Garcia in Mente que mata, Superinteressante, 31/10/2016, online).

A título de conclusão, citamos Harold Schechter, em sua linguagem um tanto freudiana, quando escreve que “a psicose é definida como um transtorno mental grave, caracterizado por certo grau de deterioração da personalidade. Psicóticos vivem em um mundo de pesadelo criado por eles mesmos. Sofrem de alucinações e delírios – ouvem vozes, têm visões, estão imbuídos de crenças bizarras. Eles perderam o contato com a realidade. Ao contrário dos psicopatas – que parecem ser pessoas normais e racionais mesmo enquanto levam vidas secretas grotescas –, os psicóticos correspondem à concepção geral de loucura. As principais formas de psicose são a esquizofrenia e a paranoia” (Serial killers. Anatomia do mal. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2013, p. 29).

Quem consegue entender esses traços do portador de um transtorno psiquiátrico grave – não tão difícil de identificar no dia a dia, dado que ele delira e alucina –, talvez, não tenha dificuldades em perceber – com cuidado – que ele necessita de compreensão e tratamento. Pode, sim, cometer crimes chocantes, nunca, porém, com requintes de perversidade como faz um psicopata.

Vanderlei de Lima é graduado em Filosofia pela PUC-Campinas e pós graduado em Psicopedagogia pela UNIFIA. Cursou Psicopatologia pela UNIEDUCAR.

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