PSICOPATAS E POLÍCIA: UMA LETARGIA QUE CUSTA VIDAS

 

O ator acima representou o psicopata norueguês, autor de dois ataques ativos com 77 inocentes mortos

Nenhuma pessoa de certa cultura poderia, hoje, ignorar a existência de psicopatas. Como o conhecimento desses criminosos inatos parece, no entanto, um tanto ignorado, elaboramos o presente artigo tentando despertar a opinião pública para o tema.

Há poucos dias, um policial militar me apresentou um vídeo de “briga de escola”. Nele, se via um aluno fisicamente mais avantajado a espancar outro que, sem chance alguma de defesa, era humilhado ante os colegas. Concluído o vídeo, o PM me indagou: “Este aluno, barbaramente agredido, não poderá ser, por pura vingança, autor de uma chacina na sua escola?”. Minha resposta imediata foi: “Provavelmente não”. Explico-me.

De início, basta uma constatação simples: desde que existe a escola, existem as “brigas de escola”. Ora mais, ora menos graves. Contudo, os massacres no ambiente escolar – embora sempre preocupantes – são, graças a Deus, raríssimos. Isso porque, embora todo ser humano seja propenso à vingança, só um psicopata protagoniza crimes caracterizados por certo ritualismo, planejamento e barbaridade, ainda que alguns massacres possam, rarissimamente, ter à frente alguém com sérios problemas mentais capazes de levá-lo a obedecer a alucinações, ou seja, a imagens e/ou sons irreais.

Detalhando: a reação à agressão faz parte do ser vivo. Por exemplo, certas plantas, quando podadas, soltam um líquido semelhante a leite que pode causar irritação nos olhos ou mesmo levar à cegueira. Também animais irracionais reagem a ataques com unhas, dentes, chifres etc. É o instinto cego, mas certeiro de sobrevivência a agir ante um ataque perigoso. Ora, o ser humano, animal racional, também reage ao ser agredido. Tal reação supõe, contudo, não só o instinto cego, mas também a sua inteligência reflexiva.

Pois bem, o adolescente agredido na escola – foco delimitado à conversa que tive com o policial militar – pode reagir, de modo vingativo ou não, contra o seu agressor. O verbo pode é importante. Demonstra a sua liberdade de escolha entre vingar-se ou não. Como quer que seja, um aluno normal, talvez se vingue do seu agressor como lhe for possível. Fisicamente mais fraco que o oponente, valer-se-á da ajuda de colegas, de arma branca ou até de fogo para a desforra. É a conhecida vingança comum que aparecerá, nas páginas policiais, como consequência desastrosa de mais uma “briga de escola”. Entretanto, como se vê, nem sombra de uma possível chacina surge aí.

Muitíssima diferente, no entanto, é a ação perversa de um psicopata que pode ser protagonista de uma grande chacina numa escola ou em qualquer outro local. De fato, enquanto o mero vingador – desejoso apenas de uma revanche contra o seu agressor – age, não obstante a raiva, dentro de certos limites sociais e morais, o psicopata – buscador insaciável de status, poder e prazer – tem motivação e modus operandi muito específicos.

Por ora, importa realçar que o psicopata, ao contrário de um vingador comum ou de um perturbado mental a se julgar perseguido, nem sempre ataca por vingança, mas também gratuitamente e o seu modo de agir torna-se patente na maldade extrema, no sadismo, na indiferença, na reincidência no crime etc. Ademais, seu plano é bem elaborado, brutal, marcante. Se o mero vingador se contenta com duas facadas no seu desafeto, alguns dias após a “briga de escola”, o psicopata poderá levar meses planejando a retaliação e, talvez, chegue a esquartejar o inimigo ou, então, a promover – agora sim – uma chacina contra inocentes colegas de escola. Aqui entra o tirocínio policial.

Todavia, Robert Hare, estudioso canadense, alerta os agentes de segurança pública de que a sua “incapacidade de distinguir transgressores psicopatas dos não psicopatas acarreta consequências terríveis para a sociedade” (Sem consciência. Artmed, 2013, p. XII). Ora, visando minorar tal incapacidade, ofereço, há tempos, formação gratuita sobre o tema a PMs e GCMs. Mas, quase sempre, os comandantes – para a desgraça de seus comandados e da sociedade em geral – a recusam e não a suprem por nada melhor.

A pergunta é: será que nem assistindo ao filme “22 de Julho” – pensando em seus entes queridos nas mãos de inescrupulosos psicopatas – eles sentiriam um pouco mais de compaixão, sairiam dessa nociva letargia e aceitariam a formação, minha ou de outros?

Vanderlei de Lima é autor do livro Psicopatas. Quem são? Como agem? Que fazer com eles (Ed. Ixtlan, 2020).

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