DITADURA POR DECRETO AMEAÇA A POPULAÇÃO DE BEM

Os decretos sanitários de alguns Estados brasileiros tornaram-se – graças também a prefeitos com viés para tiranos – uma verdadeira ditadura a ameaçar a população de bem desejosa trabalhar honestamente. A questão que se põe é: tais decretos são legais?

Para responder à questão, parece ser importante distinguir dois pontos. O primeiro é o respeito às normas sanitárias (comércio com número reduzido de clientes, dispenser com álcool em gel na entrada, todos com máscaras etc.). Merecem acatamento. Quem desrespeita tais normas pode, como punição, receber multa administrativa ou mesmo a lacração do comércio. Aqui, já entra o segundo ponto – que, por ora, nos interessa – pois diz respeito às aberrações jurídicas que vêm sendo cometidas por agentes públicos.

Sim, tem sido comum que, no cumprimento do decreto do governador do Estado ou do prefeito, o agente público exagere na ação. Foi o que se deu, em Ribeirão Preto (SP), na prisão em flagrante de um comerciante insistente em manter o seu comércio aberto, apesar dos Decretos estadual e municipal. Alegava-se para validar legalmente a condução do homem à cadeia que ele atentou contra os artigos 268, 286 e 330 do Código Penal. Que dizem eles? – Transcrevamo-los: “Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa”. “Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa”. “Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa”.

Ora, o Dr. Giovani Augusto Serra Azul Guimarães, juiz de Direito, no Processo n. 1500681-23.2021.8.26.0530, entendeu que a prisão em flagrante foi manifestamente ilegal e, por isso, a relaxou, nos termos do art. 5º, inciso LXV, da Constituição da República (“a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”) e do art. 310, inciso I, do Código de Processo Penal (“relaxar a prisão ilegal”). Quanto aos alegados artigos 268, 286 e 330 do Código Penal, o juiz assegura que “a Constituição da República, em seu art. 5º, reconhece, entre outros, os direitos fundamentais, inerentes à dignidade humana, à propriedade (caput), ao livre exercício do trabalho, ofício ou profissão (inciso XIII), à intimidade, à vida privada e à honra das pessoas (inciso X) e à livre locomoção no território nacional em tempo de paz (inciso XV)”.

E continua: “Conforme ressabido, de acordo com os artigos 136 e 137 da Magna Carta brasileira, as únicas hipóteses em que se podem restringir alguns dos direitos e garantias fundamentais são os chamados Estado de Defesa e o Estado de Sítio, cuja decretação compete ao Presidente da República, com aprovação do Congresso Nacional, nos termos dos mesmos dispositivos constitucionais citados”. Como, “atualmente, não vigora nenhum desses regimes de exceção no Brasil, de modo que o direito ao trabalho, ao uso da propriedade privada (no caso, o estabelecimento comercial) e à livre circulação jamais poderiam ser restringidos, sem que isso configurasse patente violação às normas constitucionais mencionadas”, acrescenta o magistrado. Afinal, qualquer pessoa que tenha a mínima noção de Direito sabe que um decreto não pode contrariar a lei, ainda mais a Constituição Federal. Apesar dos constantes entendimentos estranhos do STF sobre alguns pontos dela, nestes, em específico, parece que ainda estamos seguros.

Ante tudo isso, é de se lembrar que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo a não ser em virtude da lei (cf. Constituição Federal art. 5º, inciso II). Logo, o que não está previsto em lei não é crime. Desse modo, o agente público que exorbita suas atribuições legais poderá – e até deverá – responder por abuso de autoridade (cf. Lei n. 13.869, de 5 de setembro de 2019). Em concreto: se você for vítima de um ato desses, mantenha a calma, filme toda a ação e dê ciência da filmagem aos agentes públicos, identifique-os e recorra – com ajuda de um bom advogado, se possível –, ao Poder Judiciário: se o decreto é do governador, ao TJ; se o decreto é do prefeito, à sua própria Comarca. Aos agentes da lei recomendamos bom-senso para que não se transformem, amanhã ou depois, em condenados. Reflitamos! 

Leonardo Lopes é estudante de Direito na USP, Ribeirão Preto (SP); Felipe Bertazzo Tobar é advogado, graduado em Direito pela Univille, Joinville (SC).

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