TORCIDAS ORGANIZADAS: GRANDES INIMIGAS DA DEMOCRACIA

(Democracia da bala)

Noticiários relatam que membros de algumas torcidas organizadas de futebol têm saído às ruas em defesa da democracia. O tema merece reflexão, pois poucos grupos são tão reprodutores da ditadura como as torcidas organizadas radicais.

Com efeito, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 10 de dezembro de 1948, assevera que: “Artigo I. todos os homens nascem livres e iguais em dignidade de direitos. São dotados de razão e consciência. Devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Pois bem, como pensam e agem a maioria radical (há, é obvio, exceções que confirmam a regra) dos torcedores organizados?

O mundo das torcidas organizadas, salvo raríssimas exceções, vive o que os estudiosos chamam de etnocentrismo, ou seja, vale o eu e o meu mundo e não o outro e o seu mundo. Essa ideia etnocêntrica (“só o meu grupo é bom”) leva ao pensamento de que o outro não é ninguém, não é gente. De modo que, fria ou psicopaticamente, determinados torcedores não veem o outro como ser humano; o rival é a pior espécie que pode existir na face da terra, por isso, deve ser menosprezado ao extremo ou assassinado.

Isso o demonstra, a título de ilustração, o pesquisador Carlos Alberto Máximo Pimenta com as seguintes palavras: “Adalberto Benedito dos Santos, torcedor filiado na ‘Mancha Verde’, tido como possível agressor e causador da morte de Márcio Gasparim da Silva, após o incidente de 20.08.95, ocorrido no estádio do Pacaembu, ao ser questionado pela imprensa se ele se importava com a morte de alguém, posicionou-se a respeito dizendo: ‘Não sendo amigo meu, tudo bem’” (Torcidas Organizadas de Futebol: violência e autoafirmação. Taubaté: Vogal, 1997, p. 97). Tudo isso por uma razão muito simples: o rival é algo (propositadamente não falamos alguém) da pior qualidade que precisa ser abatido a qualquer custo. Daí a questão: tal atitude condiz com a democracia supostamente defendida nas ruas e amplamente elogiada por determinados setores midiáticos, incluindo o jornalismo esportivo?

Aliás, o comportamento da ampla maioria dos torcedores organizados se comprova tão antissocial que a Dra. Heloisa Helena Baldy dos Reis, em sua obra Futebol e violência (Campinas: Armazém do Ipê/Fapesp, 2006) assevera que a Polícia deve “acompanhar os torcedores em dias de jogos desde a sede da torcida até o estádio, por meio de escolta dos ônibus; fiscalizar a ocupação dos ônibus e proibir o transporte de pessoas acima do número permitido, além do transporte e consumo de bebida alcoólica e de qualquer tipo de droga” (p. 115). Já o deputado Zezé Perrela afirmou existir torcida que “não torce a favor de um time, mas torce contra outras torcidas, predispondo os filiados à briga e à agressão física e comprometendo a boa ordem e a segurança dentro e fora dos estádios” (Diário da Câmara dos Deputados, 27/09/01, p. 46. 201).    

 Mais: Torcedores organizados violentos, em seus gestos antidemocráticos, quebram, com frequência, o direito de ir e vir (Constituição Federal: art. 5º, XV) e de lazer (idem, art. 6º, “lazer”) de qualquer cidadão de bem. Daí, Paulo Vinícius Coelho, colunista esportivo do jornal O Estado de São Paulo, bradar: “Eu pago imposto, exijo segurança. Quero ir ao cinema, ao teatro, levar meu filho à escola. Quero ir ao estádio em paz!” (1º/04/12, p. E3).

Prezado(a) leitor(a), as fontes citadas já têm, como se vê, alguns anos. Daí a questão que algum apoiador do caos poderia nos fazer: “Tudo isso não terá mudado?”. Respondemos: “Temos plena certeza de que não mudou, mas se quiser tirar uma prova concreta – por sua conta e risco – vista, em dia de jogo, um uniforme (torcedores preferem dizer “farda”) da Mancha Alvi Verde, do Palmeiras, por exemplo, e passe diante de uma grande torcida organizada do Corinthians, do São Paulo, do Santos etc. e você aprenderá para nos relatar depois – caso saia vivo –, como é a democracia nesses meios...”

Felipe Bertazzo Tobar, advogado e escritor; Vanderlei de Lima, professor e escritor. Ambos pesquisam torcidas organizadas de futebol.

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