O QUE A NOTA DA CNBB NÃO DISSE...
O Regional Sul 1
da CNBB emitiu, em 3 de dezembro pp., Nota
lamentando – com razão – a morte de nove pessoas durante um “Baile Funk” (termo,
aliás, omitido no texto episcopal), em Paraisópolis, São Paulo (SP). O Comunicado merece, com abrigo no Código de Direito Canônico, cânon 212 §3,
algumas breves e respeitosas observações.
Esperávamos que, na Nota, iniciada com as hiperbólicas
palavras do Profeta Isaías (2,4), houvesse a lembrança-alerta ao gravíssimos
problemas que acompanham esse tipo de evento ilegal, haja vista que muitos
dispositivos jurídicos, incluindo a Lei 16049/2015 a proibir o “Pancadão”,
foram violados. Ora, toda lei justa, promulgada pela autoridade competente, obriga
em consciência e deve ser obedecida (cf. Pontifício Conselho Justiça e Paz. Compêndio da Doutrina Social da Igreja.
7ª ed. São Paulo: Paulinas, 2011, n. 398).
Também desejávamos encontrar na
referida Nota uma palavra sobre o consumo
e o tráfico de drogas ao menos nesse ambiente de “Baile Funk”. Lembramos, aqui,
que o Catecismo da Igreja Católica
assim diz no número 2291: “O uso
de drogas causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana. Salvo
indicações estritamente terapêuticas, constitui falta grave. A produção
clandestina e o tráfico de drogas são práticas escandalosas; constituem uma
cooperação direta com o mal, pois incitam a práticas gravemente contrárias à
lei moral”.
Queríamos
ler ainda uma palavra sobre o aviltamento da dignidade humana nesses ambientes
de “Pancadões”, uma vez que isso constitui, objetivamente, pecado contra o 6º
Mandamento da Lei de Deus a ordenar: “Não pecar contra a castidade”. Ora, o Catecismo, já mencionado, em seu n. 2348, diz que “todo batizado é chamado
à castidade. O cristão ‘se revestiu de Cristo’ (Gl 3,27), modelo de toda
castidade. Todos os fiéis de Cristo são chamados a levar uma vida casta,
segundo o seu específico estado de vida. No momento do Batismo, o cristão se
comprometeu a viver sua afetividade na castidade”. Pois bem, a fornicação (Catecismo n. 2353) e a prostituição (Catecismo n. 2355), entre outros pecados
graves, atentam frontalmente contra a castidade.
Há
também, nesse ambiente de “Baile Funk” e em seus entornos, os pecados de furto
e roubo. Sobre ele, ensina o Catecismo,
n. 2401, o seguinte: “O
sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente os bens do próximo ou
lesá-lo de qualquer modo, nos mesmos bens. Prescreve a justiça e a caridade na
gestão dos bens terrestres e dos frutos do trabalho dos homens. Exige, em vista
do bem comum, o respeito à destinação universal dos bens ao direito de
propriedade privada. A vida cristã procura ordenar para Deus e para a caridade
fraterna os bens deste mundo”.
A
Nota nada diz também sobre a suposta
atuação do chamado “Crime organizado” por traz dos “Pancadões”, mas parece
chamar a atenção da Polícia, que, embora possa errar como todos nós podemos (e
isso está sendo apurado), deve manter a paz, que é a tranquilidade da ordem (cf.
De Civitate Dei, livro XIX, 13, I).
Sim, afinal por que a Nota não brada, além dos pecados acima elencados, contra os
criminosos perversos? Estes não são vítimas da sociedade, mas maus por opção (cf.
Antônio Gois. “Hipermasculinidade”
leva jovem ao mundo do crime. Entrevista com a antropóloga Alba Zaluar. Folha de São Paulo, 12/07/2004, online,
Ana Beatriz Barbosa da Silva. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, Robert
Hare. Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre
nós. Porto Alegre: Artmed, 2013). Poderia o Comunicado lembrar aos criminosos o “não
te é lícito”
(cf. Mc 6,18), do corajoso João Batista. Não é lícito roubar, seduzir menores, estuprar,
assassinar, traficar drogas, sequestrar, tirar a paz da comunidade etc.?
Pois
bem, perguntamos: 1) com essa omissão sobre o pecado, a tendenciosidade de se imaginar
que apenas pelo bem-estar social (muito
importante, é óbvio, mas nunca substituto da conversão do coração (cf. Catecismo n. 1888) e o desvio de foco
dos verdadeiros – mas parece que quase intocáveis culpados – haverá um mundo mais
conforme ao predito pelo profeta Isaías 2,4, citado na Nota? 2) quem, verdadeiramente, lucra com tudo isso?
Vanderlei de Lima é
eremita de Charles de Foucauld e estudioso do comportamento social violento desde 2003.
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