"HÁ DE SE IR À SOLIDÃO PARA OUVIR A VOZ DE DEUS"



Enrique Chuvieco / Religión en Libertad, 16 de outubro de 2019 (Tradução adaptada: Ir. Vanderlei de Lima, eremita de Charles de Foucauld).

            A figura do Beato Charles de Foucauld (1858-1916), o místico que se tornou um dos tuaregues, recorda-nos a necessidade da solidão e do silêncio para ouvir a voz de Deus. Isso é o que afirma José Luiz Vázquez Borau, em seu livro recém publicado, Charles de Foucauld: Encontrar a Deus no Deserto (Razões Digitais).
            José Luís Vázquez Borau é Doutor em Filosofia e em Teologia. Presidente da RIES (Rede Ibero-Americana para o Estudo das Seitas), presidente de honra do Instituto Emmanuel Mounier, da Catalunha, e fundador e animador da Comunidade Ecumênica Horeb-Charles de Foucauld.
           
            – Por que escrever, agora, sobre esse convertido francês?

– Escrever sobre Foucauld é uma dívida pessoal. Eu o conheci quando tinha dezesseis anos, graças ao livro de Jean-François Six Itinerário espiritual de Charles de Foucauld [1], que, aos vinte anos, eu via encarnado na pessoa do padre Estanislau Llopart, eremita de Montserrat, que era meu diretor espiritual, do qual guardo, principalmente, estas palavras: “Faça silêncio!”.

– Em seu livro, o senhor qualifica como “adolescência desastrosa” a que Foucauld viveu. Por quê?

– Uma senhora me dizia que gostava muito da vida de Foucauld, especialmente antes de sua conversão. Como se pode ler no livro, Foucauld, descendente de uma família nobre, perde a fé em sua adolescência e se resvala pelo caminho da busca de todo tipo de prazeres, atingindo o auge quando, já maior de idade, toma posse da sua herança.

– Como surgiu a atração que o Islã exerceu sobre ele?

Aos 24 anos, ele decide explorar o Marrocos, um país conhecido apenas superficialmente pelos europeus. Ele o fará disfarçado de judeu, acompanhado por seu guia, também judeu, chamado Mardoqueu. Impacta a ele, cientista naturalista, a religiosidade de sua gente, que, cinco vezes ao dia, interrompe seus trabalhos para adorar ao Misericordioso, em um ambiente desértico que favorece a interioridade.

– O que o levou a converter-se ao Cristianismo?

– Em seu retorno a Paris, a Sociedade Francesa de Geografia concedeu-lhe a medalha de ouro, mas ele está em uma profunda crise e quer investigar sobre religião. Entretanto, a acolhida da família de sua prima, a Sra. De Bondy, e o fato de ver que ela é inteligente e de fé, o surpreende por dentro. Começa a rezar interiormente: “Senhor, se existes, faças com que eu Te conheça” Visita a um amigo da família, o padre Huvelin – que conhece sua trajetória – para debater sobre religião. Ele o convida a confessar seu passado. Foucauld o faz, e, após receber a comunhão, dirá: “Depois de saber que existes, não posso fazer outra coisa a não ser viver para Ti.

– No livro, o senhor detalha seu processo de vida até encontrar sua autêntica vocação...

– Seu diretor espiritual lhe recomendará fazer uma viagem ao país de Jesus, onde ficará marcado por Nazaré, lugar onde Jesus, o carpinteiro, viveu o maior tempo de sua vida. Ao voltar, ingressará na Trapa [2], pedindo para ir aos mais pobres de Akbès (Síria). Passados os anos, o Espírito Santo o levará de novo a Nazaré, onde viverá como eremita serviçal das monjas Clarissas dali, até ser convidado a ordenar-se sacerdote. Logo, lhe oferecem para ir aos mais abandonados a um lugar que ele já conhece, mas onde não há presença cristã: o Marrocos. Todavia, como os estrangeiros não podiam entrar nesse país, ele irá para o oásis saariano de Beni-Abbés (Argélia), que fica na fronteira dos dois países, com a esperança de poder, um dia, entrar no Marrocos. Anos depois, conhecerá a existência de uma população mais abandonada: os homens azuis do deserto, os Tuaregues. Lá ele encarnou sua existência até ser assassinado.

– Sua conversão aos irmãos foi radical...

– Ele se instala em um pequeno povoado, Tamanrasset [3], na área Tuareg do Saara. Ali, assim como Jesus, viverá sua Nazaré: uma vida de relação amiga e fraterna com todos. Ali, adoecerá gravemente e, no meio de uma tremenda seca, seus amigos sairão para buscar um pouco de leite a fim de alimentar seu santo eremita. Esse fato foi crucial para ele se fazer plenamente tuaregue entre os tuaregues.

– Como o deserto influenciou a espiritualidade de Foucauld?

– Foucauld, como fruto de sua experiência, nos diz: “É necessário atravessar o deserto e nele permanecer para receber a graça de Deus: é no deserto que alguém se esvazia e se desprende de tudo o que não é Deus e onde nosso interior se esvazia completamente para deixar todo o espaço somente para Deus”. Vivendo em Tamanrasset, construiu um eremitério nas arrebatadoras montanhas de Hoggar, local onde há a menor gravidade no planeta Terra, como se estivesse indicando, com isso, que, no meio das tarefas da vida, há de se ir ao deserto, à solidão, para se calar e poder, assim, escutar a voz de Deus, que nos fala por meio dos acontecimentos da vida.

– Que diz o eremita Foucauld aos cristãos urbanos do século XXI?

– Que no encontro com o Senhor, no silêncio da oração, descobriremos nossa vocação para viver a fraternidade e a solidariedade humana. É necessário fazer silêncio, porque no silêncio grandes coisas se aclaram.

Fonte: https://www.religionenlibertad.com/cultura/522045297/Vazquez-Borau-Foucauld-mostro-el-camino-hay-que-ir-a-la-soledad-para-escuchar-la-voz-de-Dios.html


[2] Ele ingressa na Trapa de Notre-Dame des Neiges, na França, em 16 de janeiro de 1890. Meses depois, vai para Akbès, na Síria. Em 1897, deixou a Trapa – Nota do Tradutor.
[3] Cf. Antoine Chatelard. Charles de Foucauld: o caminho rumo a Tamanrasset. São Paulo: Paulinas, 2009.

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