O DIREITO A SERVIÇO DAS PESSOAS DE BEM
(Para entender a
legítima defesa, a excludente de ilicitude e o estado de necessidade)
Vanderlei de Lima,
graduado em Filosofia com Extensão em Direito e Punição, pela PUC-Campinas, SP[1].
O Assunto: O Código
Penal, artigo 25, define a legítima defesa e as condições para que ela
ocorra. O cidadão de bem pode (e deve) valer-se desse artifício legal para
repelir – inclusive por meio de armas, se for o caso –, injustos agressores
seus, de terceiros ou de sua legítima propriedade. A instalação de ofendicula (ofendículos) é também um
meio legal de impedir furtos e/ou roubos de seus bens. Cabe ainda, antes, uma
palavra sobre a excludente de ilicitude e o estado de necessidade, tratados nos
artigos 23 e 24 do mesmo Código, respectivamente. Analisemos, portanto, de modo
genérico, a temática.
***
1. Poderia citar,
na Lei, a excludente de ilicitude?
Sim.
O Decreto Lei n. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940, assim diz em seu Art. 23 – “Não
há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em
legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício
regular de direito. Excesso punível: Parágrafo único - O agente, em qualquer
das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”.
2. Como
interpretar a expressão “não há crime”?
A
expressão “não há crime” é muito clara: “não existe crime algum”[2]
quando o agente (a pessoa) que, de si praticaria – em outras circunstâncias –
um delito, nessas situações, não o pratica. Ao contrário, age legalmente, pois
está amparado pela Lei.
3. Quais os três
casos elencados?
Os
três casos são: “I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III -
em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.
Tratemos de cada um.
4. Que é estado
de necessidade?
Diz o Código
Penal Art. 24 “- Considera-se em estado de
necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou
por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio,
cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”.
Ҥ
1 º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de
enfrentar o perigo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).”
Ҥ
2 º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena
poderá ser reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984).”
5. Poderia dar
um exemplo simples e entendível após transcrever o caput?
Art. 24
“- Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de
perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar,
direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era
razoável exigir-se. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”.
Sim.
No “estado de necessidade” há sempre dois bens jurídicos à vista. Tem de se
pesar qual o de maior valor objetivo ou universal. Vamos por partes.
Há
dois bens jurídicos em jogo: um é a vida de uma criança indo à escola e outro é
a de um cachorro rottweiler de estimação que está na rua, após ter escapado de
uma propriedade por descuido de seu dono. Um morador próximo, com uma foice nas
mãos, vem em socorro da criança em pânico e, com dois golpes de foice, detém o
animal e salva a criança. Dias depois, o cachorro morre em decorrência da
agressão. Que dizer?
O
“homem da foice” agiu em “estado de necessidade”, pois a) estava diante da vida
de um ser humano indefeso (bem de maior valor jurídico) e da de um bicho feroz
(bem de menor valor jurídico); b) praticou o fato para salvar alguém de perigo
atual; c) não praticado por sua vontade (o cão não era dele e nem era de sua
responsabilidade a manutenção do bicho preso); d) não havia outro modo para
salvar a criança do ataque do grande animal a não ser este; e) agiu em direito
alheio (da criança) e f) pois seria absurdo exigir o sacrifício da integridade
física da criança em favor do animal – que, à primeira vista, ele não parecia
ter a intenção de matar –, nas circunstâncias do fato.
Importa
notar que evoca-se o “estado de
necessidade contra algo” e a legítima defesa contra alguém. Dela vamos tratar a
partir da questão 11.
6. Cite ao menos
dois trechos de jurisprudências sobre o assunto.
“Para configuração do estado de necessidade faz-se
imperioso o requisito da proporcionalidade entre gravidade do perigo que ameaça
o bem jurídico do agente ou alheio e a gravidade da lesão causada pelo fato
necessitado.” (TACRIM – SP – Ap. – Rel. Feiez Gattaz – RT 724/686).
“Falta
de habilitação para dirigir veículo em via pública – réu que toma veículo
emprestado para dirigir-se a hospital onde sua esposa estava em processo de
parto – paciente de organismo fraco e que não pode tomar determinados remédios
– Informações de ser passadas aos responsáveis pelo parto – estado de
necessidade caracterizado – absolvição mantida pela ocorrência desta hipótese.”
(TACRIM – SP – Ap. – Rel. René Ricupero – RT 725/593).
7. Quem não pode
invocar “estado de necessidade”?
Art.
24 [...] “§ 1 º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever
legal de enfrentar o perigo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).”
“Não
pode invocar o estado de necessidade aquele que tem o dever legal de enfrentar
o perigo. A expressão dever legal é controvertida para os doutrinadores, uns
entendem que se refere somente às hipóteses legais, outros interpretam com
amplitude maior. De qualquer sorte, quando a lei impuser dever legal,
estará obrigado a salvar o bem ameaçado sem destruir qualquer outro, mesmo que
para isso tenha que correr riscos inerentes à sua função. Mesmo assim,
quando for nítida a inutilidade do salvamento, o que inutilizaria o risco, a
pessoa detentora do dever legal poderá se recusar a cumpri-lo. ‘… de nada
adianta o bombeiro atirar-se nas correntezas de uma enchente para tentar salvar
uma pessoa quando é evidente que, ao fazê-lo, morrerá sem atingir seu intento…’
Vale relembrar que o Código Penal, no parágrafo 2º do artigo 13, apresenta hipóteses relacionadas ao dever legal de agir, cujo descumprimento enseja a responsabilidade pelo resultado”[3].
Vale relembrar que o Código Penal, no parágrafo 2º do artigo 13, apresenta hipóteses relacionadas ao dever legal de agir, cujo descumprimento enseja a responsabilidade pelo resultado”[3].
8. Fale sobre uma eventual pena e sua redução
Art. 24 [...] “§ 2 º - Embora seja razoável
exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a
dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).”
Haverá
pena quando o agente, podendo escolher, opta pelo sacrifício de um bem de maior
valor a fim de defender o de menor importância, por exemplo. A pena é aplicada,
mas com o benefício da sua redução[4].
9. Trate do estrito
cumprimento de dever legal ou do exercício regular de direito.
“III - em estrito cumprimento de dever legal
ou no exercício regular de direito”. Escreve Lenoar Medeiros: “A expressão
estrito cumprimento do dever legal, por si só, basta para justificar que tal
conduta não é ilícita[5],
ainda que se constitua típica[6].
Isso porque, se a ação do homem decorre do cumprimento de um dever legal, ela
está de acordo com a lei, não podendo, por isso, ser contrária a ela[7].
Noutros termos, se há um dever legal na ação do autor, esta não pode ser
considerada ilícita, contrária ao ordenamento jurídico”.
“Um
exemplo possível de estrito cumprimento do dever legal pode restar configurado
no crime de homicídio, em que, durante tiroteio, o revide dos policiais, que
estavam no cumprimento de um dever legal, resulta na morte do marginal[8].
Neste sentido - RT 580/447[9].”
10. Existe
punição para o excesso na excludente de ilicitude?
Sim.
No próprio artigo 23 do Código Penal, lemos: “Excesso punível: Parágrafo único
- O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso
doloso ou culposo”.
A
redação é clara: quem excede o que está previsto em lei (um policial que
neutralizou um criminoso com um tiro na perna, por exemplo, mas lhe dispara
mais seis tiros “extras”), não responde, é óbvio, por seu ato lícito em si (até
o tiro na perna), mas, sim, pelo ilícito configurado no excesso. E apenas nele.
O
excesso pode ser doloso (quando o
agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo) ou culposo (quando o agente deu causa ao
resultado por imprudência, negligência ou imperícia). Em algumas situações
concretas, pode ser muito complexo saber se houve excesso e – uma vez comprovada
a sua existência – se foi com dolo ou culpa apenas.
11. Onde e como
está melhor definida a legítima defesa no ordenamento jurídico de nosso país?
Está
melhor definida no Código Penal,
artigo 25, que diz: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente
os meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu
ou de outrem”.
A
redação é clara e com uma
interpretação atenta se pode bem entender esse grande princípio decorrente da
própria Lei Natural Moral[10].
12. Como explicitar
a legítima defesa à luz da Lei Natural Moral?
Escreve
o Dr. Gustavo Holanda Dias que “desde os filósofos da Antiguidade Clássica, já
se falava na legítima defesa como um direito sagrado, permitindo-se a violência[11]
para repelir a própria violência. Com efeito, o direito de defesa era permitido
para a proteção de bens pessoais, como a vida, a integridade corporal, a honra
sexual e o patrimônio. O alicerce da legítima defesa repousaria sobre o Direito
Natural, o seu fundamento extrajurídico”.
Atribui-se
a Cícero, antigo orador romano a seguinte sentença: “est lex non scripta sed
nata lex” ou “esta não é uma lei escrita, mas lei natural” (Pro Tito Annio Milone)[12].
13. Qual a razão
dada pelo Dr. Gustavo Holanda Dias
para que o Estado reconheça ao cidadão o direito à legítima defesa?
Escreve
ele que “o Estado, curvando-se à sua impotência para solucionar imediatamente a
violação da ordem jurídica, reconhece a possibilidade excepcional da reação
instantânea contra uma agressão injusta, eis que não pode obrigar o indivíduo a
uma postura de inércia diante da violação de um direito”.
14. Cite a lição
de um jurista sobre a importância da legítima defesa ou da reação para o
indivíduo.
Guilherme
de Souza Nucci escreve, de modo muito lógico: “Valendo-se da legítima defesa, o
indivíduo consegue repelir as agressões a direito seu ou de outrem,
substituindo a atuação da sociedade ou do Estado, que não pode estar em todos
os lugares ao mesmo tempo, através dos seus agentes. A ordem jurídica precisa
ser mantida, cabendo ao particular assegurá-la de modo eficiente e dinâmico” (Manual de direito penal: parte geral: parte
especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 222).
15. Quais são os
requisitos da legítima defesa?
São
quatro os requisitos da legítima defesa[13]:
a) a reação a uma agressão atual ou iminente e injusta; b) a defesa de um
direito próprio ou alheio; c) a moderação no emprego dos meios necessários à
repulsa; e d) o elemento subjetivo. Vejamos[14]:
Primeiro ponto: é a reação a uma
agressão atual ou iminente e injusta: “a agressão pode ser definida como o ato
humano que causa lesão ou coloca em perigo um bem jurídico. A agressão é injusta quando viola a lei, sem
justificação (“sine jure”). Agressão atual
é aquela que está ocorrendo. Agressão iminente
é aquela que está preste a ocorrer”.
Segundo ponto: “Direito próprio
ou de terceiro: significa que o agente pode repelir injusta agressão a direito seu (legítima defesa própria) ou de outrem (legítima defesa de
terceiro), não sendo necessária, neste último caso, qualquer relação entre
eles.”
Terceiro ponto: “Utilização dos
meios necessários: significa que o agente somente se encontra em legítima
defesa quando utiliza os meios necessários a repelir a agressão, os quais devem
ser entendidos como aqueles que se encontrem à sua disposição. Deve o agente
sempre optar, se possível, pela escolha do meio menos lesivos.”
Quarto ponto: “Utilização
moderada de tais meios: significa que o agente deve agir sem excesso, ou seja,
deve utilizar os meios necessários moderadamente, interrompendo a reação quando
cessar a agressão injusta.”
Quinto ponto: “Conhecimento da
situação de fato justificante: significa que a legítima defesa requer do agente
o conhecimento da situação de agressão injusta e da necessidade de repulsa
(“animus defendendi”)”.
16. Existe
legítima defesa recíproca?
Não.
“Um dos requisitos da legítima defesa é a agressão injusta repelida por uma
reação lícita, de forma que é impossível a defesa lícita entre ambos os contendores”.
Isso é lógico, pois se A ia atacar ou atacou B e este reagiu de modo
proporcional ao ataque, sua ação foi de legítima defesa ao passo que o ato de A
é crime.
17. A legítima defesa pode ser desproporcional?
Sim, “será desproporcional – não configurando
legítima defesa – a conduta de quem não usar moderadamente dos meios
necessários ou se valer de meios desnecessários para repelir injusta agressão”[15].
Seria o caso de quem, ante uma criança com
um estilingue, usasse uma metralhadora para afastá-la (leia-se “destroçá-la”).
Não há, aí, a mínima proporção.
18. Que seria
legítima defesa putativa?
Em casos nos quais não há agressão injusta,
fala-se em legítima defesa putativa, que se contrapõe à legítima defesa real. A
legítima defesa putativa ou imaginária não é culposa, é dolosa. Dar-se-ia no
caso em que C se julga perseguido por D e o ataca. É algo absurdo e não real
legítima defesa. C terá, via de regra, de responder, criminalmente, por sua
agressão.
19. A lei
permite defender-se de inimputáveis?
Sim.
Por inimputáveis se entende aqui pessoas não puníveis, especialmente doentes
mentais graves, pessoas de desenvolvimento mental incompleto ou retardados, de
acordo com o artigo 26 do Código Penal. Se eles atacam alguém, o atacado pode, tranquilamente,
se defender, como se defenderia de qualquer outra pessoa, pois há, de modo
objetivo, um ataque injusto atual ou iminente.
Quem
se defende – diz-se – deve ter maior cuidado com os inimputáveis, mas isso – a
nosso ver – só é possível se ele souber do histórico de quem o agrediu ou
tentou agredir.
20. Há legítima
defesa sucessiva?
Sim. Ela “ocorre quando o agressor inicial
passa a ser considerado como vítima e se verifica na hipótese em que há excesso
na defesa ou abuso de defesa. Assim, o agredido, em exercício de seu direito de
defesa, excede-se na repulsa, de modo que o agressor inicial passa a ser
considerado como vítima, possuindo o direito de defender-se do excesso”. A ia
agredir B que reagiu, mas exagerou na reação. A pode defender-se dos excessos
de B.
21. Como o
artigo 23 do CP trata do “excesso de defesa”?
O
art. 23, parágrafo único, do Código Penal, trata do excesso de defesa, que pode
ser observado sob duas modalidades: dolosa e culposa. O excesso doloso ocorre quando o agente continua
no contra-ataque apesar de haverem cessado as agressões, por querer mais lesões
ou a morte do agressor inicial, bem como na hipótese de, já cessada a agressão,
continua na sua defesa acreditando estar amparado pelo direito no seu intuito
de ir até as últimas consequências (erro sobre os limites da causa de
justificação). O excesso culposo
ocorre quando o agente avalia mal a situação e dá continuidade à repulsa ou
quando avalia mal a situação, excedendo-se quanto à gravidade do perigo ou modo
de reação. Na prática, parece um tanto difícil o limite entre excesso doloso e
culposo.
22. Pode-se defender de provocação verbal?
Escreve
Dr. Guilherme de Souza Nucci o que segue: “A honra é um direito fundamental,
constitucionalmente assegurado. O Direito Penal a tutela também nos artigos
138, 139 e 140 do Código Penal. Assim
sendo, quem estiver ofendendo a honra alheia pode ser obstado tanto pela vítima
quanto por terceiro, em nome da legítima defesa da honra”.
“A
legítima defesa (art. 25, CP) exige agressão injusta (ilícita) contra direito
próprio ou de terceiro, feita no presente (atual) ou em futuro próximo
(iminente). Portanto, se Fulano profere injúrias verbais seguidas contra Beltrano,
torna-se viável que este se defenda, usando os meios necessários, moderadamente.
Ilustrando, pode colocá-lo para fora de sua casa ou do estabelecimento
comercial de sua propriedade. Pode chamar a polícia. Pode até mesmo
desferir-lhe agressão física leve.”
“Entretanto,
jamais se pode matar ou causar lesão grave ou gravíssima a pretexto de defender
a honra, porque esta atitude ofenderia a proporcionalidade exigida no cenário
da legítima defesa. A honra, por se tratar de bem jurídico imperecível, pode
ser defendida, mas com redobrada moderação. Não mais se acolhe, no direito
contemporâneo, a ideia de lavar a honra com sangue.”
“Em
suma, ninguém é obrigado a ouvir calado calúnia, difamação ou injúria, sem nada
poder fazer, diante da agressão injusta e atual. Mas deve imperar o bom-senso,
impondo-se a moderação para a sua defesa.”[16]
23. Há, às vezes, erro na legítima defesa?
Sim.
“Ocorre o excesso por erro de tipo escusável. O agente, inicialmente em
legítima defesa, já tendo repelido a injusta agressão, supõe, por erro, que a
ofensa ainda não cessou, excedendo-se nos meios necessários. O erro de tipo
escusável exclui o dolo e a culpa”[17].
24. Que dizer da legítima defesa na seara civil?
“O
reconhecimento da legítima defesa tem implicações relevantes na seara cível. De
acordo com o art. 65, do Código
Processual Penal Brasileiro, quando a absolvição criminal do acusado está
fundamentada numa excludente de ilicitude, resta prejudicado o exercício de
ação cível, notadamente as de cunho indenizatório ou reparatório[18].
Ainda, segundo a norma gizada no art. 188, incisos I e II, do Código Civil Brasileiro, não constituem
atos ilícitos os praticados em legítima defesa, estado de necessidade ou no
exercício regular de direito[19]”.
“Interpretando-se
conjuntamente os dispositivos acima invocados, na hipótese de o acusado ser
absolvido com fundamento em causa excludente da ilicitude, a matéria não será
mais objeto de perquirição no âmbito cível[20].”
“Quanto
aos reflexos processuais penais, algumas considerações são indispensáveis. A
lei processual penal exige que o reconhecimento judicial da legítima
defesa esteja expresso na sentença penal[21].”
“Ademais,
após a citação para apresentação da defesa escrita, o juiz poderá absolver
sumariamente o acusado quando verificar a existência de manifesta causa
excludente da ilicitude. A absolvição sumária somente se justifica quando não
houver qualquer dúvida acerca de sua existência, daí porque a legislação
utiliza o termo ‘manifesta’, dando-nos a compreensão de que a dúvida, neste
caso, interpretar-se-á, pro societate[22].”[23]
25. Como entender e usar “ofendículos”? São legais?
“Por fim, merecem ser lembradas as ofendicula
(ou ofendículos), que são barreiras ou obstáculos para a defesa de bens
jurídicos. Geralmente constituem aparatos destinados a impedir a agressão a
algum bem jurídico, seja pela utilização de animais (cães ferozes, por
exemplo), seja pela utilização de aparelhos ou artefatos feitos pelo homem
(arame farpado, cacos de vidro sobre o muro e cerca eletrificada, por exemplo).
Parcela da doutrina distingue ofendicula de defesa mecânica predisposta. As
ofendicula são percebidas com facilidade pelas pessoas e não necessitam de
aviso quanto à sua existência. Exs.: cacos de vidro sobre o muro, pontas de
lança em uma grade, fosso etc. Já as defesas mecânicas predispostas estão
ocultas, ignoradas pelo suposto agressor, sendo necessário o aviso quanto à sua
existência. Exs.: cerca eletrificada, armadilhas em geral, arma oculta, cão
feroz etc. A Lei n. 13.477/17 dispõe sobre a instalação de cerca eletrificada
ou energizada, em zonas urbana e rural, estabelecendo os cuidados e
procedimentos a serem observados.”
“Constituem as ofendicula hipóteses de
legítima defesa preordenada, que atuam quando o infrator procura lesionar algum
interesse ou bem jurídico protegido, embora alguns doutrinadores sustentem
constituírem elas exercício regular de direito.”
“A meu ver, entretanto, a melhor solução é
considerar a mera instalação, utilização ou predisposição das ofendicula como
exercício regular de direito (direito de se autodefender); quando efetivamente
atuarem essas barreiras ou obstáculos, vulnerando o bem jurídico do injusto
agressor, serão consideradas legítima defesa preordenada”.[24]
Convite
[1] Revisão: Dr. Felipe Bertazzo Tobar, advogado, professor de Direito,
escritor, mestre em Patrimônio Cultural e doutorando pela Clemson University
(EUA), com o seguinte comentário ao autor: “Pode ser professor de Direito Penal!
Muito bom! Sem correções!!” (E-mail de 07/04/19).
[2]
Diferente, por exemplo, do artigo 181 do CP que diz: “É isento de pena quem
comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: I – do cônjuge,
na constância da sociedade conjugal; II – de ascendente ou descendente, seja o
parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural”.
Note-se
a expressão “Isento de pena”, ou seja, o
crime existe, mas não é punido. Assim, o filho que furta R$ 1.000,00 do pai
comete o crime de furto (art. 155 do CP), mas não recebe punição, embora o crime exista.
É
a, tecnicamente, dita “escusa (desculpa) absolutória” muito diferente, como se
vê, da “excludente de ilicitude”.
[3]
https://juniorcampos2.wordpress.com/2014/03/12/estado-de-necessidade/,
acesso em: 24/03/19.
[5]
Ou seja, está plenamente de acordo com a lei. É, portanto, lícita.
[6]
Mesmo que, se cometida por outro agente em situação diferente, seja tipificada
como crime. É o caso do homicídio tratado pelo autor que estamos seguindo.
[7]
É absurdo lógico algo ser legal e ilegal ao mesmo tempo e sob o mesmo
aspecto.
[8] A morte de alguém, ainda que
marginal, em outras circunstâncias (uma clara execução, por exemplo) é crime,
mas na ação de um agente da lei a revidar tiros disparados por bandidos, não é.
[9]https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=ABSOLVI%C3%87%C3%83O+DE+POLICIAL+MILITAR+PELO+ESTRITO+CUMPRIMENTO+DO+DEVER+LEGAL
Há,
aí, farta decisão de TJ em favor de policiais que, cumprindo dever legal,
abateram alguém.
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=ABSOLVI%C3%87%C3%83O+DE+guarda+civil+municipal+PELO+ESTRITO+CUMPRIMENTO+DO+DEVER+LEGAL
(Sobre excludente de ilicitude de GCMs).
[10]
Ver: Vanderlei de Lima. Obedecer antes a
Deus que aos homens: a ética cristã do lado dos que defendem a objeção de
consciência como um direito humano fundamental. Amparo: Ed. do Autor, 2013,
p. 32-51.
[11]
O termo violência nos parece, no caso, mal empregado. Afinal, “não se pode,
portanto, chamar [de] ‘violência’ qualquer uso da força, mas só o uso injusto,
que lese um direito. Assim, um Estado que recorra à força para impor a
aplicação de leis justas ou para punir quem as tenha violado com grave prejuízo
para o bem comum, não comete violência, desde que se mantenha dentro dos limites
da justiça” (Curso de Doutrina Social da
Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1992, p. 214). Isso se dá quando as
forças de segurança (Polícia Militar, Guarda Civil Municipal ou Exército), por
exemplo, têm de agir para desobstruir uma via pública já tomada por arruaceiros
ou trocar tiros com criminosos etc. Aqui, só ocorrerá o que se poderia chamar
de violência propriamente dita se as forças de segurança forem além do
necessário no uso dos meios legítimos na ação (atirar pelas costas em um
sujeito rendido e algemado, no caso).
[13]
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=LEG%C3%8DTIMA+DEFESA+-+ART.+23+DO+CP+POLICIAL+MILITAR&
[14]
Aqui, Dr. Ricardo Antônio Andreucci. https://emporiododireito.com.br/leitura/legitima-defesa-caracteres-requisitos-e-especies,
acesso em: 18/01/19.
[15]
https://canalcienciascriminais.com.br/legitima-defesa-desproporcao-excesso/,
acesso em: 17/01/19.
[16]
http://genjuridico.com.br/2014/10/28/legitima-defesa-da-honra-possibilidade-e-limite/,
acesso em: 18/03/19.
[18] É óbvio. Se A foi injustamente
agredido por B, pode requerer indenização, mas se A agiu em legítima defesa, a
indenização ou reparação do “dano” não existe.
[19] Claríssima a explanação.
[20] Sim, é óbvio, já teve fim ou
desfecho.
[21] Para clareza legal certa.
[22]
A favor da sociedade.
Excelente trabalho! Irretocável... indicado para estudo e reflexão nas salas de aula e também nas salas de instrução destinadas aos integrantes de forças policiais.
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