FOGO AMIGO CONTRA FRANCISCO
O Assunto: A Sra. Carmen
Castiella se levanta, no site Religión en libertad, em defesa do Papa Francisco ante contínuos
ataques por ele sofridos da parte de católicos pouco abertos à ação do Espírito
Santo na Igreja.
A autora afirma – com razão – ser preciso respeitar o Santo Padre,
catolicamente, ou seja, sem cair na papolatria (adoração ao Papa), nem no
pelagianismo, no gnosticismo ou na autossuficiência – na realidade escravidão –
do filho mais velho apresentado em Lc 15,11-32.
Possam as
palavras da escritora espanhola, que vão a seguir traduzidas por nossa revista
para o português, levar a profunda reflexão.
***
“Francisco é o Papa escolhido pelo Espírito Santo para
estes tempos, portanto deixemos a nostalgia e tratemos de descobrir qual é a
dádiva que o Espírito quer, com ele, nos dar.”
Fico intrigada
com a relutância, e até mesmo com a animosidade, que percebo contra o Papa
entre pessoas cujo ponto de vista aprecio. Parece que Francisco lhes quebra os
“esquemas”. Às vezes, até dá a impressão de que estão esperando ou quase
desejando que ele cometa um erro, para que possam dizer: Eu já lhe falei!
Em vez de servos
indignos que escutam o Papa, certos de fazer a Vontade do Senhor, às vezes, nos
tornamos “heróis da ortodoxia” ou até mesmo “donos da religião”, julgando com
extrema dureza os erros em que, presumivelmente, incorre Francisco, fazendo-o
dizer o que não disse e interpretando mal seus gestos. O Senhor confiou sua
Igreja a Pedro, embora ele não pudesse vigiar com Ele em sua agonia e lhe tenha
negado três vezes. Nós não obedecemos [ao Papa] por submissão ou papolatria,
mas pelo amor do Senhor, que faz maravilhas em homens imperfeitos.
Francisco é o
Papa escolhido pelo Espírito Santo para estes tempos, portanto deixemos a
nostalgia e tratemos de descobrir qual é a dádiva que o Espírito quer, com ele,
nos dar. É evidente que Francisco quer ser o pastor que procura a ovelha
perdida, mas nem por isso deixa de amar cada uma das ovelhas de seu rebanho,
por mais hostis ou desconfiadas que sejam.
Somos servidores
da vinha do Senhor, não donos. Mas, às vezes, nos parecemos demais com aqueles
lavradores que não respeitaram nem mesmo o filho do dono. [Ao contrário] Eles
se apropriaram da vinha, isto é, da religião, da lei, do culto e do templo, e
não podiam suportar que ninguém ousasse lhes pedir contas. Nem mesmo o próprio
Deus.
Releio a
Exortação Gaudete et exsultate e a julgo magnífica. Abençoada crítica
[que faz] aos “inimigos sutis da santidade”, o gnosticismo e o pelagianismo,
nos quais tantos fiéis podem ter caído. É uma correção amorosa de Pai, não uma
amarga reprovação.
Que é o pelagianismo?
Voluntarismo e luta ascética com nossa [própria] força, sem contar com Deus,
sua ajuda e sua graça. [É o] acreditar que fazemos as coisas sozinhos: quão
ridículos e iludidos somos! Já nos disse o Senhor:
“Sem mim nada podeis fazer!” Santidade, mais do que fazer, consiste em
deixar-se fazer. Santidade é Cristo em nós. A alternativa não é o
pelagianismo contra o luteranismo, mas o cristianismo do esforço versus o
cristianismo movido pela ação do Espírito e pela gratuidade do amor de Deus. Que é
gnosticismo? Conhecimento sem amor e sem contar com a graça. Confiar,
excessivamente, no raciocínio, sem assumir os limites da razão, perdendo a
ternura e a carne ao longo do caminho.
Segundo o Papa,
pelagianismo e gnosticismo são “duas formas de segurança doutrinária ou
disciplinar que dão lugar a um elitismo narcisista e autoritário, daí, em vez
de evangelizar, o que se faz, é analisar e classificar os outros e, em lugar de
facilitar o acesso” à graça se gastam as energias em controlar” [os outros]
(35) Esta atitude, adverte o Papa, também pode ser encontrada dentro da Igreja.
“É próprio dos gnósticos acreditar que com suas explicações podem tornar,
perfeitamente, compreensível toda a fé e todo o Evangelho. Absolutizam suas
próprias teorias e forçam os outros a se submeterem ao raciocínio que eles
usam” (39).
Gaudete et exultate salienta que o
conhecimento e a virtude não salvam; Cristo é quem salva. Também nos alerta
para o perigo de fingir domesticar o Espírito ao dominando a transcendência.
Quando alguém tem
resposta para todas as perguntas, demonstra que não está no bom caminho e é
possível que seja um falso profeta [...]. Deus supera-nos infinitamente, é
sempre uma surpresa e não somos nós que determinamos a circunstância histórica
em que O encontramos, já que não dependem de nós o tempo, nem o lugar, nem a
modalidade do encontro. Quem quer tudo claro e seguro, pretende dominar a
transcendência de Deus” (41). Francisco lembra que “só de forma muito pobre,
chegamos a compreender a verdade que recebemos do Senhor. E, ainda com maior
dificuldade, conseguimos expressá-la. Por isso, não podemos pretender que o
nosso modo de a entender nos autorize a exercer um controle rigoroso sobre a
vida dos outros” (43).
Há mesquinharia e
miséria de espírito entre nós. Em vez de desfrutar da festa na casa do Pai, nos
dedicamos ao fogo amigo. Há muita ira entre as pessoas dedicadas às “coisas de
Deus”. Muitas vezes, o fiel se parece com o filho mais velho... Um filho que
não se sente capaz de ser o filho pródigo, mas, sim, o filho prodígio.
No fundo, é um
filho com mentalidade de escravo. Ele dedicou sua vida a trabalhar pela fé na
Casa de seu Pai, mas não sabia como desfrutar de sua companhia, nem de seus
bezerros cevados, nem das músicas e canções. Estava e está no melhor lugar
possível, mas perdeu a alegria. Por esta razão, o Papa diz: “Gaudete et
exsultate”.
Embora a parábola
não pareça ter um final feliz, gosto de imaginar que a grandeza do Pai seja tal
que o irmão mais velho, perdido na frieza de sua realização e religiosidade,
também se sentiu pródigo e pude “voltar”. Ele vestiu sua melhor roupa,
perfumou-se, bebeu e dançou até o amanhecer.
Quer isso tenha
acontecido ou não, o que podemos ter certeza é de que o Pai sente enorme
ternura por seu filho mais velho e por todas as pessoas que entregaram sua vida
a Deus com o maior idealismo, mas que se amarguraram ao longo do caminho. A
mesma ternura que o Papa, provavelmente, sente e que o leva a corrigir-nos.
Gaudete et
exsultate.
https://www.religionenlibertad.com/fuego-amigo-contra-francisco-64884.htm (original; tradução do redator deste Blog).
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